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Luiza Sahd

Finalmente, a resposta: por que as mulheres demoram mais no banheiro

Luiza Sahd

17/12/2018 04h00

Atire a primeira pedra quem nunca se atrapalhou com clichês de gênero. (Foto: Reprodução/Freeda)

Uma dupla de cientistas da Universidade de Ghent vem tentando explicar o motivo pelo qual as mulheres perdem tanto tempo indo ao banheiro. Na fila, elas ficam em média seis minutos; os caras, cerca de 11 segundos. Na cabine, elas costumam gastar um minuto e meio, contra um minuto cravado dos homens.

Para explicar o fenômeno, os pesquisadores belgas destacam os contratempos que as garotas têm no WC e os rapazes, não: usamos cabines enquanto os caras têm a opção dos mictórios. Como se sabe, em banheiros de tamanhos iguais, cabem mais mictórios do que cabines, então os cavalheiros ganham mais opções de latrinas. Além disso, roupas femininas costumam ser mais complicadas de colocar e tirar (oi, meia-calça; oi, macacão!) e usamos papel higiênico sempre — uma prática que não é consenso entre os rapazes.

Por falar em latrina, senta que lá vem história. A demora das senhoras para voltar do banheiro tem sido calculada desta forma pela ciência, mas também tem a ver com a relação entre mulheres e espelhos ao longo dos séculos.

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Se você já passeou por um museu e se perguntou por que as mulheres representadas em quadros renascentistas não tinham nenhum pelo no corpo, trago boas e más notícias. A boa é que as manas daquele tempo eram peludas como nós, nunca existiu uma geração de mulheres que nascessem depiladas; a ruim é que, desde sempre, nossa imagem é idealizada e não condiz com a realidade dos nossos corpos.

Mas o que isso tem a ver com a demora excessiva das damas no banheiro? Certamente, mais do que gostaríamos.

Como frequentadora e banheiros públicos em partes variadas do mundo há 33 anos, posso afirmar sem medo: onde há um espelho e privacidade, há moças retocando o batom ou dando um tapa no cabelo, não se sentindo confiantes sobre a própria aparência, enfim. De vez em quando, sou uma delas.

Voltando à conexão dos quadros nos museus com nossa obsessão por espelhos, a ideia coletiva sobre feminilidade foi inventada e é mantida pelo que a gente chama de arte. As obras são referências que ficam para as gerações seguintes, como bulas de remédio ou manuais de instruções. "Olha, isso aqui é ser mulher. Siga as orientações observando estas mulheres de todos os tempos". O que aconteceu em seguida — e que ainda acontece — é que estamos sempre frustradas por não conseguirmos nos parecer, nunca, com as mulheres dos quadros (ou com a capa de revista, cheia de "correções" feitas no Photoshop).

Algo parecido acontece com os homens que, inspirados nas artes, podem sentir alguma pressão para serem fortes, torneados ou valentes; nada que seja muito diferente disso caracteriza o homem ideal que inventamos nos últimos séculos. Nos quadros, entretanto, eles não posam para o olhar dos outros. Homens observam, não são observados. A bula sobre masculinidade, no imaginário popular, não recomenda que eles sejam vaidosos, insinuantes ou posem para o entretenimento das mulheres. Quantos quadros de homens se arrumando ou se admirando no espelho você já viu?

O leitor esperto vai me lembrar que, há 500 anos, os homens estavam enrolados com guerras — ocupados demais para ficarem se arrumando. Aproveito para lembrá-los que, atualmente, mulheres trabalham em campos e cargas horárias muito semelhantes às dos caras (frequentemente, acumulando tarefas domésticas mal distribuídas). Será que não é hora de repensar como deveria ser a aparência de uma mulher?

Por que ainda queremos a perfeição estética

O papel da mulher na sociedade mudou de maneira vertiginosa nas últimas décadas, mas nossa ideia sobre feminilidade ainda inclui uma preocupação com a aparência que, além de exagerada, é aprisionante. Sou incapaz de dizer quantas vezes disse ou escutei mulheres confessando que não iam a algum evento porque não estavam se sentindo bonitas o suficiente para isso — embora seja verdade que isso aconteça mais na adolescência, quando nossa necessidade de aprovação chega ao auge.

Em seu documentário "Ways of Seeing", ainda sem tradução para o português, o crítico de arte e escritor John Berger explica sobre como o olhar da mulher para si mesma sempre acaba pagando um pedágio consciente ou inconsciente para o olhar masculino, uma vez que as mulheres sempre foram representadas na arte como figuras de entretenimento, muitas vezes sexual.

Como você deve imaginar, no ano da graça de 1490, não existia internet, revista pornô… bom, ainda estávamos a 400 anos de distância da invenção da máquina fotográfica. Assim sendo, a arte era também o material pornográfico da época, produzido por homens e para homens. Então, eles é que apitavam sobre quais tipos de mulheres eram desejáveis.

No documentário, Berger também fala de um aspecto cruel e ainda muito atual sobre o nascimento do que chamamos vaidade feminina. "Você pinta uma mulher nua para o seu entretenimento. Você coloca um espelho na mão dela e, depois, chama o quadro de 'Vaidade'", ironiza. Simplificando: os homens de outros tempos sonhavam com mulheres vaidosas. Como as mulheres também sonhavam com esses homens (e não tinham lá muitas oportunidades de sobrevida sem um casamento), abraçaram a vaidade.

Escolhendo o que é a mulher dos sonhos nas artes, os homens acabaram inventando o que chamamos hoje de vaidade feminina — gostem eles ou não. Gostando ou não, continuamos seguindo umas instruções meio antiquadas sobre o que é ser mulher.

Na próxima vez que eu pegar a fila do banheiro feminino, vou usar o tempo de espera para pensar sobre isso.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.