‘Benzinho’ prova que família tradicional brasileira pode ser usina de amor
Existem dois eventos que tradicionalmente queimam o filme da família tradicional brasileira: um é o Natal; depois, as as eleições. Felizmente, "Benzinho", escrito por Karine Teles e Gustavo Pizzi chegou para reparar esse erro histórico na interpretação da célula familiar do Brasil.
Isso, meus queridos, é a verdadeira família tradicional brasileira:
O argumento do longa parece banal e é mesmo: uma família carioca de classe média baixa é surpreendida quando o filho de 17 anos, Fernando (Konstantinos Sarris) é convidado para jogar handebol profissionalmente na Alemanha. Correndo contra o tempo para que o garoto consiga embarcar no período de 20 dias — e morrendo de medo que ele jamais volte — a família tece um enredo belíssimo sobre afetos, choque de classes, sonhos e a dura realidade. Unidos, como não poderia deixar de ser se evocamos a instituição "família brasileira".
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Aqui, gostaria de fazer um mea culpa. Sempre fui a principal detratora do conceito de família tradicional (e talvez até da minha própria). Até que, como o Fernando do filme, vim morar longe da minha. Convivendo com a família tradicional europeia percebo que, sem dúvida, ela tem muitos méritos; afeto acaba não sendo o principal deles.
Só mesmo observando famílias que não participam intimamente da vida dos parentes é possível sentir apreço ou saudades da intimidade exagerada que temos no Brasil. Dizia Jânio Quadros que "intimidade gera aborrecimentos ou filhos". Concordo e digo mais: além disso tudo, intimidade gera o caráter afetuoso que temos no nosso país. Na bonança ou no perrengue, a família tradicional brasileira costuma contar sempre com uma mãe para se desdobrar em mil, alisar nossos cabelos e nos chamar de benzinho quando necessário — quando desnecessário, também. A potência do amor retratado em Benzinho poderia abastecer sei lá quantos países e ainda sobraria um pouco para uma eventual conquista de Marte.
Um dos aspectos mais cativantes da protagonista da história, Irene (Karine Teles), é a capacidade de ser porto seguro para um núcleo de outras sete pessoas… enquanto ela mesma parece desabar pouco a pouco (exatamente como acontece com a casa cheia de gambiarras onde a história se desenrola). Rodado entre Petrópolis e Araruama, no Rio de Janeiro, o filme prova que nem a felicidade e nem a infelicidade são necessariamente vizinhas ao luxo. A família "suburbana" — de quem também ficamos íntimos em Benzinho — tem tudo o que precisamos para sentir ternura e inconformismo, essas coisas que, respectivamente, fazem a gente se sentir bem e continuar caminhando.
Dizem que o fruto não cai longe do pé. Karina atuou e Pizzi dirigiu o longa. Durante 11 anos, eles também foram um casal e tiveram os gêmeos que interpretam os filhos de Irene. Separados há quatro anos, seguem parceiros de arte e deram esse carinho em forma de filme para o público. Por falar em carinho, a atuação de Adriana Esteves como irmã de Irene também é um afago na alma.
Selecionado para festivais parrudos como o Sundance e o de Málaga, Benzinho já tem exibição garantida na França, China, Austrália, Nova Zelândia, República Checa, Uruguai, Portugal, México, Polônia, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Grécia, Espanha, Suíça, Áustria, Bósnia Herzegovina, Croácia, Macedônia, Montenegro, Sérvia e Eslovênia.
Se vai ganhar muitos prêmios, não sabemos ainda. De todas as formas, ganhamos nós com a perspectiva mais realista e justa do que acontece da porta para dentro de uma casa no Brasil. Olhando direito para os lados, no Brasil, há Benzinhos por toda parte.
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