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Luiza Sahd

Topless, depilação, misandria: 10 respostas simples sobre feminismo

Luiza Sahd

03/07/2018 04h00

Foto: Reprodução/ Instagram

Depois de assistir Nanette, me perguntei sinceramente se era o caso de chantagear amigos, se necessário, para convencê-los a ver o stand up de Hannah Gadsby na Netflix. Foi uma hora de vida tão bem gasta que até gastei outra revendo o show, no dia seguinte.

Se você gosta do blog aqui, lamento informar que me senti uma farsa depois de Nanette: Gadsby resume, em 69 minutos, tudo o que passei um ano gastando dedos para tentar discutir — e com uma eficiência 800% maior. Se você não gosta do blog, aí é que eu queria que você assistisse mesmo.

Dentre as dezenas de esclarecimentos sociais que Nanette proporciona, um ponto me deixou realmente triste: muitas vezes, é difícil entender qual é o significado de condutas que viraram clichês do feminismo e que, sinceramente, até pouco tempo não estavam suficientemente claras nem para mim. Veja bem: me identifico com a ideologia.

Explicar grandes temas com simplicidade é provavelmente o superpoder de Gadsby. Inspirada por ela, resolvi compilar respostas de bolso para perguntas que muitos têm, poucos fazem e que acabam virando muletas de piadas machistas.

1- Qual é a das mulheres que não se depilam?
Elas estão exercendo uma liberdade garantida não só pela Constituição como também por nossa sociedade, supostamente tão moderna.
Por que é relevante:
Poucos homens se depilam. Por que mulheres precisam necessariamente viver depiladas? E o que será que faz com que um sujeito repare no suvaco alheio enquanto o mundo tá aí, se acabando em barranco?

2- Para que mostrar os seios?
Infelizmente, seios são tratados pela nossa sociedade de maneira utilitária: ou servem para despertar a libido alheia ou, no mais nobre dos casos, para amamentar. O importante sobre seios, aparentemente, é que estejam servindo alguém.
Por que é relevante:
Topless nada mais é do que reafirmar que nossos seios não estão a serviço de ninguém. Quer um exemplo bom? Va a uma praia europeia e observe seres humanos não se importando com seios expostos até o seu cérebro incorporar novas noções de respeito.

3- E a piada de que toda feminista é gorda?
Talvez a lógica seja inversa: mulheres que não estão dispostas a se sacrificarem para parecer com a Barbie (nada contra, adoraria ser também) encontram no feminismo uma resposta óbvia: tudo bem não ser a Barbie; poucos caras parecem o Ken e, além do mais, existem outros atributos que você pode ter além de "gostosa".
Por que é relevante:
Em 2018, só pode ser piada ter que explicar por que as mulheres não precisam se esfolar para atender a padrões de beleza que geram infelicidade real. Poucas coisas são mais nocivas à saúde do que a combinação entre paranoia e dietas malucas. Para mim, já renderam de síndrome do pânico a broncopneumonia. Quando desisti, voltei a ser feliz.

4- Por que muitas feministas não são tão vaidosas?
Devolvendo a pergunta: por que c&%$lhos as mulheres precisam ser vaidosas? Por que alguma pessoa precisa tanto?
Por que é relevante:
Porque a vaidade feminina é julgada com muito mais crueldade do que a masculina, como se fosse uma obrigação. Somos o quarto maior consumidor de cosméticos do mundo e ocupamos o 79º lugar no ranking de IDH — o Índice de Desenvolvimento Humano. Claramente, algumas prioridades estão erradas aí. Alguém pode dizer que é porque brasileiros e brasileiras tomam mais banho; peço apenas que dêem uma olhadinha em quantos cosméticos tem no armário do seu amigo homem e no da sua amiga mulher.

5- Por que o feminismo e a comunidade LGBTQ geram tanta polêmica?
Porque ambos ferem o conceito de masculinidade. Homens foram criados para serem duros, provedores, líderes e viris. De repente, o mundo mudou: muitas mulheres não estão priorizando esses atributos (preferem simplesmente serem bem tratadas, com igualdade). Muitos homens também abdicaram desse conceito de masculinidade — o que é quase uma traição para os caras que se esfolam para serem durões. E as mulheres que preferem amar mulheres então? Tudo isso é um acinte para a masculinidade como nos foi ensinada.
Por que é relevante:
A masculinidade que nos é ensinada não contempla muito as liberdades individuais nem dos próprios homens héteros. Eles tem que provar tanto que são machos que acabam perdendo tempo com bobagens.
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6- Por que se diz que feministas odeiam homens?
É impossível determinar quantas mulheres foram violadas ao longo de suas vidas, mas é bem fácil saber que, em geral, os violentadores são homens. Esta reportagem é um belíssimo exemplo do medo que homens podem causar: quantos pais deixariam os filhos sob cuidados de homens? 
Por que é relevante:
Se você tem medo de deixar seu bebê na mão de um homem, será que não é hora de melhorar como homem?
Esse é um ponto fundamental, porque odiamos odiar homens ou quem quer que seja. Não é gostoso odiar nada. Tudo o que queremos é não obedecer e nem mandar. Infelizmente, boa parte dos homens se sente ofendida quando não está em posição de domínio — e não é todo mundo que leva na esportiva a igualdade de gênero sem reagir com violência.

7- Por que os modos de muitas feministas não são delicados?
Pelo mesmo motivo que muitos homens não têm modos delicados.
Por que é relevante:
Porque nos libera de mais uma obrigação que não compartilhamos com os homens. Todo mundo sempre pode começar dando o exemplo. Não se intimidem, meninos!

8- Que papo é esse de sororidade?
A sororidade é partir do pressuposto de que todas as mulheres são nossas irmãs em alguma medida. Isso nada mais é do que lutar junto, porque individualmente não tem funcionado: quantas vezes por dia uma mulher sozinha precisaria explicar a desconhecidos que o corpo dela não está a disposição de quem passou na mesma calçada e curtiu? Se acontece tanto, é sinal de que a sociedade inteira está doente — e não se cura uma sociedade inteira batendo papo com vagabundo na rua, individualmente.
Por que é relevante:
Quando todas as mulheres puderem andar na rua relaxadas e sem medo de violência, não precisaremos mais lutar juntas. Não precisaremos mais lutar, inclusive.

9- Por que o feminismo insiste tanto na legalização do aborto?
Porque não temos o superpoder de transferir o bebê para a barriga do companheiro (esse, sim, tem o superpoder de sumir). O feto fica lá, dentro da gente, por 9 meses. Não foi feito sozinho — outro superpoder que não temos — mas como a gestação é um processo exclusivamente feminino, nada mais justo do que deixar a decisão nas mãos das gestantes.
Por que é relevante:
Porque quem quer abortar só precisa de 5 minutos usando o Google. O único opcional é que mulheres ricas abortam em segurança e mulheres pobres colocam a vida em risco.

10- As atitudes aqui descritas definem uma feminista?
Não. Ninguém precisa fazer nada disso para concordar com uma sociedade mais igualitária. A única coisa que a gente quer garantir é esse "poder querer". Tão diferente da definição de poder daqueles que se angustiam diante da liberdade de corpos alheios.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.