Etiqueta do fetiche: o que fazer se o outro não curte sua fantasia sexual
Luiza Sahd
24/06/2020 04h00
Foto: Reprodução/ Alex Chinneck
Em um passado não muito remoto, decidi abrir mão de aplicativos e usar apenas as redes sociais para flertar. Diz a lenda que elas são os novos apps de paquera — e que os apps são as novas redes sociais. Tudo muda muito rápido na internet e, não querendo comer poeira no ramo do flerte, puxei papo com um cara que parecia simpático, inclusive por ter amigos e interesses em comum comigo. Muito melhor do que usar aplicativo de pegação, onde a gente fica compartilhando informações pessoais com completos desconhecidos, certo?
Errado. A empreitada ia dando certo, o papo estava ótimo e rendeu tanto que foi até a madrugada. Eu nem lembrava quando tinha sido a última vez que perdi 5 horas consecutivas de vida teclando com alguém (mas deve ter sido por volta de 1999, na época do ICQ). Em um dado momento, o nosso amigo — que vamos chamar aqui de Inácio* para evitar exposição desnecessária — quis engatar um sexting.
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Odeio fazer sexting com quem não conheço pessoalmente porque muita coisa pode dar errado: ao vivo, o outro pode não ser atraente, pode ter bafo, chulé ou um olhar de psicopata que não inspira confiança para um trelelê. Foi então que lembrei das palavras sempre sábias de Ana Canosa, sexologa e apresentadora do podcast Sexoterapia. A Ana acha muito proveitoso que as pessoas conversem sobre sexo antes de fazerem sexo; em condições ideais, isso poderia aumentar o desejo dos envolvidos e até evitar constrangimentos-surpresa na cama, que geralmente acontecem por falta de intimidade.
Tendo isso em mente, fiz o sinal da cruz e dividi alguns detalhes sobre minhas preferências sexuais com Inácio*, escutando as dele com atenção. "Nada é tão grave assim", concluí, quando vi que a conversa não extrapolava muito o limite de coisas que eu publicaria aqui — como de fato estou publicando hoje. "Gosta de apanhar?", "Prefiro gemido", "Curte fluídos, tipo bastante saliva?", "Uma vez cuspiram em mim e não gostei não", e por aí foi.
Expectativa:
No auge do papinho, Inácio* cortou a conversa dizendo que precisava dormir e se despediu apressado. Não falou nada no dia seguinte e nem nos outros; não respondeu uma piada besta que mandei no WhatsApp. Fez o famigerado ghosting, tão comum em apps de paquera — e, até então, inédito pra mim no contexto "amigo de amigos".
Passei uns dias cabreira, questionando o que eu podia ter falado de "errado" para provocar uma espécie de corte lacaniano adaptado para o contexto do tesão. Não reli nossa conversa para checar o que rolou porque palhaçada tem limite — mas tive vontade, sim.
Desabafei com uma amiga sobre o ocorrido e ouvi que ela já tinha saído com Inácio*. "Foi melhor assim", disse ela. Procurei a câmera escondida na sala. Não achei. Se você achar que isso aqui é uma bela de uma fanfic, vou entender seu lado. Às vezes, até eu acho que fui parar em uma fic. Mas voltando à amiga, ela contou que Inácio* tem um fetiche bem específico no sexo: babar loucamente na pessoa com quem está transado. "Não de um jeito bom. De um jeito que me fez querer sair correndo dali. Não sei se é uma disfunção ou um fetiche."
Até aí, tudo bem. A não ser pelo fato de que Inácio* insistiu muito nas perguntas sobre meu interesse por saliva e fluídos corporais no nosso sexting. Quando revelei que aprecio saliva com moderação, ele deu no pé sem deixar rastros.
Realidade:
Conversas maduras sobre parafilias
Então é isso: Inácio* tem uma parafilia bem concreta envolvendo saliva. Ao que tudo indica, ele faz essa pesquisa informal tipo "IBGEbaba" ou "Censo Cuspe" sistematicamente, antes de decidir se vai continuar interagindo com a paquera da vez. Para preservar o sigilo sobre o próprio fetiche, Inácio* parece não se importar muito com a possibilidade de fazer o outro se sentir exposto. Particularmente, me senti bem trouxa por ter respondido a pesquisa dele.
Não sabemos como nem por que Inácio* estabeleceu esse método de sondagem com a mulherada para medir as chances de realizar sua fantasia molhada — mas, certamente, dá pra gente pensar num manual de etiqueta mais adequado caso o (a) cremoso (a) não dê match com nossas fantasias sexuais.
Aqui vão algumas frases mais assertivas, educadas e úteis do que fingir que morreu quando a incompatibilidade de fetiches se apresenta.
"Que pena. Esse lance aí de chicotada na bunda é meu favorito."
"Gostei de você, mas a gente não vai se dar bem no sexo, não."
"Você tentaria esse negócio aí de golden shower comigo? Se não quiser, tudo bem."
"Acho que prefiro ter só amizade com quem não me algema."
"Puxa, se você não gostar de me queimar com cigarro, prefiro procurar alguém que goste."
"Você não quer pisar em mim com salto alto porque corta o seu barato ou porque tem medo de me machucar?"
"Minhas fantasias não combinam com as suas. Vamos ficar só na cervejinha?"
Estas são apenas sugestões. Você pode deixar a sua aqui abaixo. Se o Inácio* tivesse usado alguma frase deste manual, eu não teria nem descoberto — e muito menos dado risada — da falta de traquejo dele com os próprios desejos. Às colegas autocríticas que procuram defeito primeiro em si, ficam essas palavras de conforto: às vezes, um homem não te quer apenas porque você não curte baba no sexo.
Sobre a autora
Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.
Sobre o blog
Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.