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Existem mil maneiras de lidar com uma traição; a gente não aprendeu nenhuma

Luiza Sahd

04/02/2020 04h00

As possibilidades de acordos sobre traição são infinitas. Por que a gente evita tanto ter essa conversa – e deixa para sofrer depois? (Ilustração: Reprodução/ Cosmo)

 

Os seres humanos são seres de hábitos. Deve ser por isso que a gente tem tanta dificuldade em largar vícios, trocar de casa, de emprego ou de pensar em novas formas de se relacionar afetivamente.

Nos últimos anos, acompanhei com enorme interesse a tendência da geração Z a se relacionar de forma não-monogâmica. Esse foi, junto com as ressacas com duração de três dias, um grande marco para eu me ligar que estou envelhecendo: agora, as pessoas jovens não se importam com a fidelidade conjugal da mesma forma que eu ou meus amigos nos importávamos quando tínhamos mais colágeno na cara e menos hérnias de disco nas costas.

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Observando essa onda do "ninguém é de ninguém", perdi tanto tempo tentando entender o fenômeno (Como será que eles não sentem ciúmes? Qual é a vantagem de dividir o namorado ou namorada com sei-lá-quem? Será que essa geração tem pavor de compromisso?) que acabei ficando cega para as vantagens da nova dinâmica de relacionamentos amorosos.

Foi escutando um episódio do podcast Sexoterapia que tomei o primeiro susto útil a respeito: existem muitas formas de trair um parceiro. Por que será que ficar com outra pessoa é considerada a pior modalidade de traição? Como bem disse um leitor, a diferença entre a infidelidade e os outros jeitos de trair quem a gente ama é que chifre não é socialmente aceito. Todas as demais modalidades de traição, sim.

Pense aí nos seus últimos relacionamentos. De quantas formas diferentes você já foi negligenciado em uma relação e perdoou o (a) consagrado (a) sem cogitar um término? Ser corno, no final das contas, não é nem de longe a pior coisa que pode acontecer dentro de uma relação, mas como as pessoas costumam valorizar demais a monogamia (e tirar sarro de quem é traído), a fidelidade passa a ter um peso desproporcional na vida dos casais.

Olhando para o passado, lembrei que meus piores traumas em namoros não foram as vezes em que fui traída, mas aquelas em que me senti completamente desamparada pela pessoa que estava ao meu lado – seja porque ela não tomou partido quando sofri alguma injustiça, ou por estar ausente quando eu precisava de ajuda ou simplesmente porque já não apreciava tanto a minha companhia (mas seguiu com o namoro porque não sabia o que fazer consigo mesma, em caso de separação).

Também já cometi todos os erros supracitados mas, curiosamente, ter traído alguém que não me dava muita atenção foi o que me fez sentir as maiores culpas da vida. Que loucura será essa que faz com que a gente ache que a infidelidade é mais grave do que, sei lá, a indiferença com o parceiro ou parceira? Alguns chamam de culpa católica. Eu chamo de falta de perspectiva.

O pessoal da minha geração – e de todas que vieram antes – simplesmente não teve modelos de relacionamentos abertos saudáveis para se inspirar e tentar dar à fidelidade conjugal o peso que ela realmente deveria ter. No final das contas, ser monogâmico é apenas um dos atributos entre muitos, igualmente importantes, para que um relacionamento "fechado" funcione.

Do lugar de fala de quem jamais teve um relacionamento aberto (mas não pretende ter outros radicalmente fechados), acho bastante ingênuo, a essa altura da vida, pensar que alguém pode passar anos ou décadas ao nosso lado sem se apaixonar por outras pessoas, mesmo que transitoriamente.

Uma das explicações mais sábias que já ouvi a respeito de não-monogamia é que a gente pode ter vários interesses paralelos na vida, sem se desinteressar completamente pelos anteriores. Uma mãe e entusiasta da poligamia falou que é um pouco como o caso das pessoas que têm um segundo filho: não é que o primeiro não seja bom o suficiente; elas têm outro porque são capazes de amar os dois.

Traição x relacionamento aberto

Apesar de serem assuntos que se misturam um pouco no imaginário popular, traição e relacionamento aberto são conceitos completamente diferentes – o primeiro envolve mentiras e o segundo, um acordo mútuo. O que eles têm em comum é esfregar na nossa cara o quanto a gente é dependente do outro para sustentar nossa autoestima.

Se alguém que você ama fica com outra pessoa, será mesmo que isso define o quanto você é interessante ou determina que o infiel é um crápula? Nem sempre. Muitas vezes, ele é apenas uma pessoa agindo com covardia – como a gente também age não tratando desse assunto abertamente.

Dividir o afeto ou a atenção sexual de quem a gente gosta com outras pessoas pode ser fácil para alguns e extremamente duro para outros. Não existe lado certo ou escolha fácil nesse sentido, mas provavelmente existem visões mais sensatas e razoáveis do que aquelas às quais fomos condicionados sem discussão.

Existem religiões que vetam terminantemente a não-monogamia e, com a fé das pessoas, não é muito saudável discutir. Quando não é esse o caso, uma conversa honesta e generosa pode salvar grandes amores e inúmeras consciências (quem sabe, a sua) no futuro.

Poucos casais conseguem conversar abertamente sobre a eventualidade de uma traição ou relacionamentos abertos – o que é uma pena. Entender o que o outro pensa, caso um de vocês se envolva com outra pessoa em alguma curva da estrada, é tão importante quanto falar sobre amor, inclusive porque a sobrevivência do amor sempre depende de algum plano para quando a paixão acabar.

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Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.