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Por que tantas mulheres se ofendem com a campanha "Janeiro peludo"?

Luiza Sahd

09/01/2019 04h00

Quem tem medo de pelos femininos? (Colagem: Reprodução/ slimesunday)

Na última semana, a estudante inglesa Laura Jackson (21) lançou um desafio para as mulheres do mundo inteiro: passar o mês de janeiro sem fazer depilação. A iniciativa, batizada # Januhairy ( "janeiro peludo", em tradução livre) tem como objetivo arrecadar £ 1000 para a instituição de caridade Body Gossip – que usa a arte para estimular crianças em idade escolar a amarem seus corpos e respeitarem os corpos de todos os colegas.

Se existe algo que faz falta na formação escolar de crianças do mundo inteiro é uma orientação eficiente sobre como ter consideração por aparências de todos os tipos. Por um lado, discutimos o problema do bullying nas escolas – mas não sabemos muito bem como blindar nossas crianças disso. Por outro, crescemos com a sensação de que há sempre algo feio ou errado em nossos corpos, mesmo que eles estejam completamente saudáveis. Enquanto isso, distúrbios de ansiedade relacionados à estética ganham proporções epidêmicas em culturas de todos os tipos. Alguém que vive perturbado pela própria aparência mas não apresenta sintomas de anorexia ou bulimia pode ser considerado mentalmente são? Pense bem antes de decidir.

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Quantas mulheres você conhece que não mudariam nada na própria aparência? Se existem, não conheço e, infelizmente, não sou uma delas. Com mais de duas décadas de atraso, tento construir essa consciência devorando conteúdos que me convençam de que está tudo bem com a minha constituição física, principalmente porque sou saudável. Mesmo quando estou em paz com a aparência, nem todo mundo se contenta com essa resposta: você também já deve ter ouvido de familiares, pares ou amigos que precisa emagrecer, engordar, tomar um sol, mudar o cabelo ou coisa que o valha.

Na divulgação da campanha de Jackson sobre deixar os pelos femininos crescerem, a reação do público brasileiro não foi muito diferente. Mulheres de todas as idades, raças e tipos físicos se mostraram indignadas com a iniciativa. Vamos falar um pouco sobre cada uma delas?

"Há causas mais importantes"

Algumas internautas reclamaram do #januhairy afirmando que existem causas mais importantes a serem debatidas no momento. Sem dúvidas, em um mundo cheio de miséria, sempre haverá uma causa mais urgente do que aquela que pode ser levantada por uma estudante de 21 anos preocupada com bullying e autoestima. Por outro lado, se alguém está engajado em resolver essas questões, já é melhor do que zero pessoas tentando resolvê-las. Não?

"É nojento"

A colocação de que pelos masculinos são normais e que pelos femininos sinalizam falta de higiene sempre me intrigou. Qual será o componente dos pelos masculinos que fazem com que eles sejam mais limpos do que os femininos? Para o pessoal que acredita na ciência: se evoluímos todos com penugem em lugares semelhantes, por que mudar isso em metade da população? Para quem acredita em religião: se Deus nos fez assim, por que mudar isso em metade da população?

"Haja desodorante"

Algumas mulheres criticaram as que deixam pelos nas axilas. Seguindo a mesma linha de raciocínio do item anterior, gostaria de entender no que os pelos vêm prejudicando a higiene dos homens que não deixam os sovacos lisinhos. Das duas, uma: ou eles cheiram mal e ninguém se deu conta ou essa afirmação não faz sentido.

"Vão lavar uma louça"

As leitoras mais revoltadas disseram que a campanha era uma grande falta do que fazer coletiva e recomendaram tarefas domésticas diversas como solução para o tédio de quem abraçou o #januhairy. Assim mesmo, como se lavar a própria louça fosse algo mais do que uma obrigação diária de qualquer adulto funcional. Provavelmente, elas estão sobrecarregadas de tarefas domésticas porque os homens da casa não ajudam. Outro ponto interessante é que dá pra deixar os pelos do sovaco crescerem enquanto a gente lava louça, ou seja: tranquilo, uma coisa não inviabiliza a outra.

"Gente chata"

Algumas moças comentaram que as gurias sem depilação são umas chatas. Vamos olhar em retrospecto? As participantes do #januhairy criaram a hashtag e convidaram quem quisesse a fazer o mesmo. Não mandaram cartas pra ninguém, não fizeram telemarketing nem propaganda de porta em porta mostrando o sovaco ou xingando quem se depila. Aí um pessoal leu sobre a campanha e, ativamente, foi ofender quem não ofendeu ninguém. Escolha seu lado nesse embate e te direi quem é chata e quem não.

"Não sou obrigada a participar"

Esse tipo de comentarista está sempre coberta de razão. Não é obrigatório mesmo! Aliás, não deveríamos ser obrigadas a nada: a depilar, a deixar de depilar, a falar ou a evitar esse tipo de assunto. Se é que essa comentarista errou em alguma coisa, errou apenas em não notar que as garotas da campanha jamais disseram que é errado não participar do janeiro peludo.

"O feminismo está sendo usado para isso?"

Uma leitora, talvez apressada, disse que acha desperdício usar o feminismo para falar de sovacos peludos – e não de causas que afetam a vida das mulheres diretamente. Se a pressão para atingir padrões físicos ideais (e a angústia de não se achar adequada o suficiente) não é algo que afeta diretamente mulheres do mundo inteiro todos os dias… Não sei o que pode ser.

Se você é mulher e uma campanha que mostra moças peludas te deixa brava, isso provavelmente são más notícias. Talvez você esteja tão exausta cuidando da própria aparência que o "descuido" de outras mulheres pode parecer um acinte ao seu capricho diário. Olhe com atenção: provavelmente, o que essas "feministas chatas" estão tentando garantir é o direito à autoestima para que todas as mulheres sintam paz e liberdade em relação ao corpo que têm. Com pelo, sem pelo, com a forma e as histórias que os corpos carregam, sem culpa ou vergonha.

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Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.