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Luiza Sahd

Eleições: o brasileiro vai aprender muito sobre ética nos próximos anos

Luiza Sahd

30/10/2018 05h00

Quando a justiça não ajuda, a gente ainda pode começar se ajudando (Foto: Reprodução/ Flavita Banana)

Como me amarro em regimes democráticos, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no respeito à Constituição Federal, tenho poucas certezas sobre o que faltou para a gente eleger um dos 12 presidenciáveis que se alinhavam a esses preceitos. Uma delas é: não foi a falta autocrítica que prejudicou os progressistas. Pecamos, claramente, por não acusar a falta de ética em pessoas que amamos. Gostando ou não, isso também é ser antiético.

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Quando voto em um candidato que eventualmente é condenado por corrupção, sei que isso depõe mais sobre ele do que sobre os valores em que acredito: o cara não subiu num palanque prometendo roubar. Quando alguém vota num candidato cuja agenda é basicamente espezinhar minorias e gente vulnerável, isso mostra que o eleitor não foi enganado. Ele se comprometeu, por vontade própria, com esse projeto. Quando eu finjo que não estou reparando nisso, estou sendo antiética de mãos dadas com essas pessoas.

Para começar essa conversa, vou listar aqui uma série de frases que escutei de parentes e amigos ao longo de toda a vida e que, agora, despencam feito um piano na minha consciência por ter discordado em silêncio, me fingindo de morta.

"Isso aí é coisa de baiano"

"Mas você namoraria um negro?"

"Esse lugar é cheio de favelados"

"Os nordestinos invadiram São Paulo"

"Esses gays precisam ser mais discretos"

"É difícil achar empregada 'de confiança'"

"Na hora de fazer o filho tava bom" (Apenas para mulheres, logo elas que quase nunca gozam!)

"Ninguém quer mais trabalhar, só quer Bolsa Família!" (R$ 85 mensais)

"Pabllo Vittar é uma aberração"

"Não houve ditadura no Brasil"

… E por aí vai. Eu poderia continuar a lista indefinidamente e você também, porque todo mundo aqui já passou pano pra amigos e parentes com falas desumanas ou diretamente criminosas. A gente escuta e faz que não escuta por acreditar que é inútil discutir com gente adulta e emancipada sobre crimes contra a humanidade e seus desdobramentos — que todo mundo conhece ou deveria conhecer de trás pra frente.

Agora, quem tem interesse em contar com direitos básicos de segurança e liberdade tem um problema pela frente e o nome dele não é exatamente Bolsonaro, Mourão, Trump ou coisa que o valha. Pode ser que o problema tenha o nome do seu pai, colega de trabalho ou irmão. O problema, na verdade, é que essa pessoa aí do seu lado encontrou em líderes políticos uma forma de validar a própria violência em discursos que deveriam ter sido devidamente problematizados se a gente tivesse sido ético a tempo.

Quando o alcance da nossa ética não funciona no raio entre o nosso sofá e a firma, a gente até consegue driblar umas tretas em círculos sociais íntimos, mas deve ser essa atitude mesmo que pavimenta o caminho de Trumps, Bolsonaros e Mourões.

O que aconteceu comigo, particularmente, foi que passei tanto pano pra posturas escandalosamente antiéticas nesses anos todos que, agora, não sobrou nenhum para passar para ninguém.

Cobrar firmeza de caráter de políticos é moleza, principalmente porque essas pessoas não costumam nos escutar. Cobrar o mesmo de quem está perto o suficiente para ver e ouvir é provavelmente o que resta nos próximos anos. Alívio: não é pouca coisa — e já estava na hora mesmo de cuidar desse assunto.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.