‘Menino veste azul e menina veste rosa’: fala de ministra prova despreparo
Luiza Sahd
04/01/2019 04h00
(Foto: Reprodução/YouTube Arolde de Oliveira)
Na última quarta-feira (2), Damares Alves, nova ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos afirmou que "se inaugura uma nova era no país, em que menino veste azul e menina veste rosa". O vídeo, gravado durante a cerimônia de transmissão de cargo, serviu até o momento para duas coisas: provocar uma nova onda de bate-boca online (não que a gente precise de mais alguma) e provar que Damares tinha apenas uma missão, mas começa o mandato descompromissada com ela.
A pasta de Direitos Humanos tem como função primordial proteger pessoas, sobretudo de conflitos gerados por questões de gênero, raça, idade ou deficiência. Você pode consultar as competências aqui, mas tudo indica que a pastora não teve tempo de dar uma estudada na missão antes de assumí-la.
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Comemorar a transição afirmando valores que tem mais a ver com escolhas próprias do que com o interesse público é uma demonstração de que o ministério deveria trocar ou a ministra ou o nome. "Ministério da Igreja" parece mais adequado se o tom de Damares for este até o fim do mandato.
Em um país com uma lista tão variada de problemas a serem resolvidos pela pasta de Direitos Humanos, Damares poderia ter falado sobre miséria, exploração infantil ou sobre a falta de acessibilidade para pessoas com deficiência em todas as cidades do país. Assunto, definitivamente, não falta nesse campo. Mas a ministra escolheu fazer galhofa com pessoas que ela deveria defender: vítimas de crimes de gênero.
O Brasil ocupa um vergonhoso 5° lugar no ranking mundial de crimes de gênero. Se a ideia geral do governo Bolsonaro é combater a criminalidade, talvez seja o caso de intimidar criminosos, não motivá-los a fazerem mais vítimas.
Para além do desconhecimento das próprias atribuições no emprego novo — o de ministra, não de pastora — a fala de Damares é especialmente assustadora pela crueldade por trás da piada. Se uma pessoa encarregada de promover justiça acha graça do comportamento que promove violência contra homens e mulheres LGBTQ, quem não deveria achar graça somos nós.
Durante a transição e nestes primeiros dias de governo, tudo o que ouvimos foram "nãos". Os ministérios designados por Bolsonaro falam sempre do que querem cortar, privatizar ou exterminar e nunca do que querem fomentar. Será que não querem desenvolver nada do que existiu até aqui ou não podem dizer abertamente o que pretendem?
Não é intrigante que um governo que tem o amor pelo Brasil como slogan só tenha planos envolvendo "acabar com tudo isso o que está aí" e nenhum para potencializar o que temos de bom? O que eles amam no Brasil fora a oportunidade de serem cruéis com quem pensa diferente?
Supondo que meninos vistam azul e meninas vistam rosa, o que fazemos em seguida para garantir algum conforto à população? É um bom assunto para a ministra Damares Alves comentar em seu próximo vídeo.
Sobre a autora
Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.
Sobre o blog
Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.