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Terrorismo da conchinha: abraçar ou fugir depois do sexo casual?

Luiza Sahd

10/09/2018 04h00

Ilustração de lachicaa_m. Veja mais trabalhos da artista aqui.

Não eram nem 7 horas da manhã quando abri os olhos depois de sonhar que estava dormindo abraçada com o cara por quem estava apaixonada. Olhei à minha direita e ele estava dormindo tranquilo, ressonando um pouco. Chorei baixinho para não acordá-lo e voltei a dormir no meu canto. Motivo: ele não me abraçava quase nunca, não era entusiasta das mãos dadas e nem do beijo furtivo no cinema (e eu, providencialmente, deduzia que era porque ele escrevia sobre filmes e precisava prestar muita atenção ao enredo).

Se tem algo mais errado do que querer abraçar a pessoa com quem você transou — e não poder, para não assustar — desconheço. Mas não foi sempre assim.

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Desde a adolescência, tenho um discurso pronto sobre a conchinha: muito bonito o conceito, mas Deus me guarde de todo esse calor e incômodo anatômico. Dizia minha falecida avó que "quem cospe para cima, cai na cara". Foi mesmo. Descobri tarde demais que conchinha não tem nada a ver com uma boa noite de sono. Conchinha é hábito de quem anda perdendo o sono por alguém.

Depois dessa fase trevas, desenvolvi fobia total e irrestrita de manifestar qualquer intimidade que pudesse soar como paixonite em encontros: pegar na mão, fazer cafuné, tirar foto da pessoa, conchinha e até dormir na mesma cama. Parabéns aos envolvidos, que a gente acaba de esfregar tudo quanto é milímetro da pele (e até órgãos internos) com o sujeito para, em seguida, ter que impor distância de respeito.

Depois, teve também o maluco que terminava o suspiro orgásmico e levantava correndo como se estivesse fugindo do rapa, enquanto sugeria: "a gente pode se ver amanhã?". Na segunda vez que aconteceu, precisei explicar que a gente já tava se vendo naquele momento presente. Ele ficou meio chocado, deitou de volta e explicou que não dormia bem sem intimidade com o vizinho de travesseiro. Concordei porque, apesar de achar que ele poderia repousar três minutos até as pernas deixarem de bambear antes de partir, eu mesma não dormia se tivesse alguém perto. Ficava com medo de me mexer muito e não encontrava posição de sono. Sentia medo de manifestar carinho e parecer doida. Medo de não manifestar e parecer mais doida ainda. Medo de peidar dormindo. Medo, medo, medo.

Achando tudo isso muito estranho, é claro que chegou minha temporada de preguiça de transar como um todo. Muita burocracia, muito código de conduta, era tanto pavor de parecer idiota ou desesperada ou, enfim, humana… que eu acabava sempre lembrando que meu vibrador, esse sim, sabia me agradar e não era paranoico.

Como disse uma amiga na ocasião, "a mulher que está há semanas sem reclamar de macho não quer guerra com ninguém". Não quer, realmente. Investi nuns outros lances da vida aí para, depois, renascer das cinzas como "terrorista da conchinha".

O terrorismo da conchinha é o seguinte: você já desistiu dessa merda toda de manter postura, de gostar ou desgostar do outro na justa medida, de parecer qualquer pessoa que não seja você mesmo — inclusive porque o outro sempre acaba descobrindo a verdade, mesmo que demore um pouco mais. Foi até esse o meu caso com o rapaz anti-contato-físico, que (surpresa!) sumiu quando fiquei doente e verbalizei a carência de abraço.

Para azar dos crushes que possam cruzar meu caminho nesse momento, estou em grande fase de autoestima, decidindo sem medo se quero me aninhar à pessoa depois de uma transa casual. "Ai, mas conchinha na primeira noite é muito íntimo", disseram colegas consultados informalmente. Bom, se você não gosta de intimidade com estranhos, talvez seja melhor evitar toda e qualquer intimidade corpórea até que um abraço não te ofenda, incomode ou invada. Só eu? Mais alguém?

Se o caso é de fantasia com sexo rapidinho, beleza. E podem acontecer mil outros episódios que façam com que você não queira dormir junto da pessoa com quem acabou de trocar secreções. O problema é querer e não fazer porque pega mal, assumindo neurose alheia como algo seu. Quem quer conchinha, que faça. Quem não quer, que reaja.

Curiosamente, 100% das vítimas do meu novo approach "terrorismo da conchinha" me fizeram lembrar do causo que abre o texto porque, agora, acordo sempre na quina do colchão com alguém que também não me ama, mas veio pro meu lado, na calada da noite, me enrolar feito presa de jiboia.

Parece que tem mais gente além de mim precisando de abraço no além-orgasmo. Como disseram no levantamento informal: tomara que inventem logo a conchinha casual.

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Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.