O machismo por trás da exposição dos áudios de Anitta
Compare as afirmações a seguir.
"José transou com 6 mulheres da mesma empresa!"
"Maria transou com 6 homens da mesma empresa!"
Imagine que essas afirmações fossem parar no Twitter. E agora tente imaginar qual efeito isso teria sobre a reputação dos que passaram o rodo nos seus respectivos ambientes de trabalho, considerando que o primeiro é um homem. A segunda, uma mulher. Em um mundo ideal, esse tipo de notícia deveria ser absolutamente irrelevante para ambos os personagens. Mas, no caso das mulheres, o objetivo é atribuir culpa, desmoralizar. Essa prática tem até nome: slut-shaming, forma de julgar pessoas, especialmente mulheres, que não agem conforme as expectativas tradicionais de comportamentos sexuais. Essa e outras "acusações" foram dirigidas a Anitta.
Tudo começou com um desentendimento entre a cantora e o colunista Leo Dias: no dia 19 de maio, ele publicou uma nota afirmando que a mãe de cantora, Miriam Macedo, havia deixado a casa em que vivia com a filha, na Barra da Tijuca (RJ), para voltar a morar no subúrbio da cidade. O motivo? Miriam "não concordaria com a vida louca da filha" — em uma alusão, entre outras coisas, à quantidade de parceiros sexuais de Anitta e das festas frequentes em sua casa, segundo o colunista.
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A cantora foi aos Stories dar satisfações sobre a mudança de casa da mãe, contrariando o que foi publicado por Leo Dias. A seguir, dona Miriam foi às redes e explicou que esteve, sim, no bairro de Honório Gurgel, onde vive sua irmã, e que nem Anitta tinha essa informação. Também disse que estava no apartamento na Barra da Tijuca e não estava brigada com a filha. Incomodado, Leo foi às redes reclamar de Anitta e teria dito que ela praticava o "candomblé do mal". Essa foi a gota d'água para a cantora, que resolveu vir a público e afirmar que passou anos sofrendo chantagens e ameaças por parte do colunista.
Em resposta às acusações, Leo decidiu vazar informações íntimas sobre ela e sua carreira, com o objetivo de desmoralizá-la. E a estratégia para desacreditá-la passa, quase sempre, pela misoginia.
A seguir, 5 ideias que reforçam o machismo dos vazamentos que envolvem Anitta. E a prova de que a misoginia não deixa em paz as mulheres – nem as que já chegaram ao topo.
Mulheres bem-sucedidas precisam "dar" pra conquistar seu espaço
Leo Dias afirmou que, no início de sua carreira, Anitta teria transado com 6 a 8 homens de uma rádio que divulgava suas músicas para alavancar sua carreira. Independentemente da veracidade desse fato, creditar o talento da cantora, a brasileira mais ouvida no exterior, de acordo com o Spotify, e a mais influente no Instagram (ela tem 47,1 milhões de seguidores) a meia dúzia de parceiros sexuais é como transferir para os homens os méritos de sua escalada. Equivale a dizer que uma garota nunca conseguiria ter sucesso sozinha — e que o poder está sempre associado à esfera masculina.
Liberdade sexual não deveria escandalizar ninguém
Transar com 6 a 8 homens que provavelmente se conheciam. Praticar sexo grupal. Sair com homens casados. Solteira ou não, Anitta tem direito a escolher seus parceiros e, desde que haja consentimento de todos os envolvidos, transar com quem quiser. Cabe a ela revelar o que for do seu interesse. "Não gosto de falar de situações que envolvem outras pessoas, a menos que tenha sido combinado antes", declarou em entrevista à revista Veja, em janeiro desse ano.
Rivalidade feminina "vende"
Toda a comoção em torno das críticas que Anitta teria feito, de modo privado, a figuras como Marina Ruy Barbosa, Claudia Leitte, Ivete Sangalo, Simaria e Preta Gil dizem mais sobre quem fica extasiado com esse tipo de fofoca do que sobre Anitta em si. Quem, em sã consciência, gosta e concorda com todos os colegas de trabalho? A pecha do mulher odeia mulher acaba se associando a todas as envolvidas — tem algo muito errado no fiel dessa balança moral aí. Vale lembrar que Anitta tornou-se uma importante e trouxe visibilidade a muitas figuras femininas: de Jojo Toddynho a Pabllo Vittar. Recentemente, faz uma parceria relevante com a apresentadora de TV Gabriela Prioli.
Ambição não é traição
Quando a gente começa a lidar com pautas identitárias, aprende logo que a história de Adão e Eva impacta a vida de todas as mulheres do mundo. O arquétipo de Eva — sedutora, traiçoeira, responsável pela tentação — gruda na gente desde a primeira infância. Pensei muito nessa figura icônica quando Anitta foi acusada de trair a confiança do presidente de sua gravadora atual "por estar negociando com outra gravadora". É uma acusação que pode trazer prejuízos materiais imediatos para a artista, mas, acima disso, é a reafirmação de que mulher não tem mesmo direito à ambição. Se um cantor muda de gravadora atrás de uma proposta melhor, ele é o quê? Ambicioso. Já Anitta, nesse caso, foi pintada à imagem e semelhança da traiçoeira Eva. Não é a primeira, não será a última.
Há sempre dois pesos e duas medidas
Sim, a vida íntima das celebridades está sob escrutínio público e gera uma curiosidade enorme. Mas, para os homens, a liberdade e as conquistas sexuais soam como vitória; para as mulheres, geram prejuízo perene à sua imagem. No universo do futebol, acontece o tempo todo. Pense em nomes como o de Gabigol e de Neymar, multiplique pelo número de conquistas (só as que ficamos sabendo) e veja se algum deles teve a reputação minimamente marcada.
Em nome de todas as mulheres que já foram expostas, censuradas e diminuídas moral ou profissionalmente por critérios que não deveriam ser públicos… ou, simplesmente, não deveriam ser critérios, ninguém deveria rir do que aconteceu. Por muito que Anitta reaja a tudo isso fazendo deboche, é ela quem terá de lidar com essa longa lista de insultos pelo resto da vida — e qualquer uma de nós sabe, por experiência própria, que essa fatura vai chegar para ela, indefinidamente.
Quem vibrou ou alimentou esse show de horrores nas redes também perdeu: não pode se queixar, no futuro, de falso moralismo, machismo ou da opressão que a sociedade e as nossas instituições reproduzem continuamente. Se Leo Dias fosse mulher e Anitta fosse homem, a história teria sido bem diferente.
Que chato precisar reclamar disso em 2020.
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