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Luiza Sahd

Homens que querem apoiar o feminismo deveriam falar sobre… homens

Luiza Sahd

06/02/2019 04h00

E se a gente trocar um monte de elogios por atitudes que mudam a vida das mulheres de verdade? (Foto: Reprodução/ emohood)

No final de semana passado, zapeando pelas redes sociais antes de dormir, li uma declaração de amor de um amigo para a esposa dele. Ele falou de um modo delicado e amoroso sobre como reconhece o acúmulo de funções dela com a casa, as crianças, a carreira e com a própria relação deles. Sou entusiasta de tudo quanto é manifestação de afeto, mas alguma coisa naquele texto me deixou com uma pulga atrás da orelha.

Dias depois, conversando com amigas sobre os mesmos problemas descritos pelo colega que homenageou a mulher, me dei conta de duas coisas importantes. A primeira é que elogiar alguém que está se desdobrando emocionalmente (e, portanto, desrespeitando os próprios limites físicos e psicológicos) é, no final das contas, estimular esse comportamento — já que todo elogio é um reforço para a atitude que rendeu a admiração alheia.

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O segundo ponto importante é que este homem apaixonado estaria melhorando a vida da esposa e das filhas de maneira muito mais efetiva se, além de ajudá-las em casa — o que acho mesmo que ele faz — publicasse um textão com sugestões para outros caras. Talvez, contando sobre como homens podem facilitar a vida doméstica da família ou, quem sabe, usando o exemplo deles para falar desse assunto universal (quem não está cansado de ver marmanjo que não lava uma cueca chamando a mulherada de guerreira no 8 de março?). Outra possibilidade seria nem mencionar a amada, já que ele evocava o feminismo no texto. Reconhecer que mulheres vivem sobrecarregadas é disseminar obviedades; animar a outra metade da população a dividir os problemas que as mulheres acumulam, ninguém quer.

É claro que atitudes pouco colaborativas em casa podem partir de mulheres e é evidente que existem homens que dividem as tarefas domésticas de maneira justa. Estou certa disso porque eu mesma já me relacionei com homens assim e tenho admiração por eles. A questão é que mesmo esses rapazes exemplares não tocam no assunto com outros cavalheiros. Motivo: pega mal.

Existem mil formas de ser homem como existem mil formas de ser mulher. Infelizmente, ainda persiste uma mentalidade de que o homem que se envolve demais com a limpeza da casa ou com os cuidados dos filhos pode parecer menos másculo. No nosso caso das moças, podemos reproduzir atitudes de força ou de fragilidade sem que nenhuma amiga venha dizer que não somos femininas.

As mulheres têm feito muito bem a sua parte em apoiar as outras para desenvolver a consciência de que podemos receber a admiração alheia através de outros atributos além de encarnar a figura da "moça prendada". Se querem receber reconhecimento apenas por isso, tudo bem também. A isso chamamos liberdade.

Conhecendo como eu conheço os comentários de internet, sei que muita gente pode me acusar de estar problematizando uma declaração de amor com viés feminista. A verdade é bem oposta a isso: assim como vocês, estou exausta das problematizações que já conhecemos. Adoraria pular desta parte para aquela em que finalmente resolvemos os abacaxis e seguimos com nossas vidas, tranquilos e satisfeitos. Sem brigas, sem ressentimentos e principalmente sem guerra dos sexos. A verdadeira guerra dos sexos começa quando um cara se afasta das obrigações de qualquer adulto funcional alegando que aquilo não é coisa de macho. Se essa postura é fruto de uma educação equivocada, ainda assim, adultos funcionais sempre podem notar que a fórmula de décadas passadas azedou.

Muitos homens vivem angustiados porque cresceram almejando ter dinheiro para bancar a família, uns carros, mulheres, viagens — e não fazer nada muito além de curtir o sofá em casa. Por motivos variados (entre eles, a inserção crescente de mulheres em espaços de poder semelhante aos deles) o modelo do playboy poderoso caducou, ficou cafona mesmo. O que os caras podem oferecer de melhor para as moças, hoje em dia, é o básico da humanidade: carinho, companheirismo, acolhimento, essas coisas. Para que isso se torne normal, é fundamental que eles conversem sobre isso com outros homens. Não com a gente. A gente já entendeu essa parte há bastante tempo, na verdade.

O acúmulo de tarefas das mulheres, ultimamente, também inclui pensar sobre masculinidades além de falar sobre feminismo. Não é que a gente goste ou que estejamos muito empolgadas para  ensinar aos homens o que é ser homem. Isso deveria ser algo como ensinar a missa ao vigário. Acontece que, se eles não fazem isso, acabam atravancando a reparação de injustiças de gênero que tentamos conquistar a duras penas nos últimos anos.

Quanto aos homens que continuam engessados a ponto de não poder demonstrar habilidades que exigem sensibilidade ou que são chatas mesmo: que vergonha. É por isso que muitos ainda se portam como filhos das "guerreiras" que ganham o mesmo salário que eles — mas se desdobram para limpar, dar carinho, cuidar da aparência e debater papéis de gênero, que é o mínimo que os caras que se auto-conclamam feministas poderiam fazer por nós.

As discussões sobre feminismo a gente dá conta de fazer entre nós, cavalheiros. Não se preocupem! Se não for pedir demais aos que querem nos ajudar de verdade, por favor, façam a parte de vocês.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.