Amigas, eu imploro: não me chamem para conversar sobre peso e dieta
Sempre que assisto filmes com personagens femininas, penso no Teste de Bechdel — que avalia a forma como as mulheres são tratadas na história. O teste foi criado há 30 anos numa tirinha da cartunista Aline Bechdel, que ironizava o jeito que Hollywood mostrava as mulheres em suas obras. Para passar, o roteiro precisa preencher os seguintes requisitos:
- Incluir mais de uma mulher na história
- Fazer com que elas conversem entre si
- Retratá-las falando de algum assunto que não tenha ligação com homens
Nos diálogos da vida real, também evoluímos: as mulheres têm focado cada vez menos preocupações em inseguranças românticas e conversam cada vez mais sobre assuntos que podem promover união e fortalecimento, tão úteis nesse mundo cão. Raciocinando por esse viés, eu e muitas amigas temos sido aprovadas com louvor no Teste de Bechdel, mas se aplicássemos um teste em que duas ou mais mulheres precisassem conversar sem mencionar perda de peso, dietas malucas e complexos com forma física, estaríamos lascadas.
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É impressionante notar que aprendemos tanto sobre a importância de não restringir nossas prioridades a relacionamentos românticos e continuamos sabendo tão pouco sobre se sentir bem na própria pele. Da amiga que puxa o papo mais cabeça àquela que sabe falar de coisas mundanas de forma esperta, quase todas acabam me trazendo aflições sobre ter ganhado uns dois quilos depois de uma viagem, de uma depressão e até de um parto. Para não dizer que não tenho amigos homens assim, tenho um que atribui a má sorte no amor ao seu corpo de quase 35 anos — que não é igual ao de 25. Supreendente, não?
Depois de décadas fazendo e falando sobre dietas que massacraram minha saúde e meu bom humor — já perdi muito cabelo junto com uns poucos quilos, já ganhei uma broncopneumonia durante uma dieta que restringia o consumo carboidratos, além de um desequilíbrio hormonal por consumir remédios para emagrecer — procuro fugir dessas preocupações na velocidade em que o diabo fugiria da cruz.
Já senti tanta vergonha do espaço que meu corpo ocupa no mundo que, agora, faço o exercício contrário. No último ano, comecei a usar com frequência dois casacos enormes, desproporcionais ao corpo mesmo. Eles têm ombreiras, cores chamativas que "engordam" e muito mais volume do que os meus ombros largos demandariam naturalmente. Resultado: sempre faço amizades com desconhecidos na rua por causa dos jaquetaços exagerados. Meu conselho para os jovens, hoje, seria "use jaquetaços e permita que seu corpo ocupe mais espaço. É gostoso demais".
Enquanto brinco de aceitar a expansão do meu corpo, escuto com tristeza as falas de colegas frustradas por não preencher padrões estéticos que ignoram qualquer diversidade natural. Gostaria muito de responder a esse tipo de fala com "conte comigo para tudo, menos para esse desabafo de um problema que nem é problema de verdade". Na falta de traquejo para isso, elogio outros atributos delas, desconverso, escrevo esse texto e torço para que pelo menos algumas dessas almas aflitas recebam a indireta do bem. Escutando pessoas que nos apreciam genuinamente, fica mais fácil trocar o mau hábito de conversar sobre dietas pelo bom hábito de conversar sobre bem-estar.
Falar sobre saúde, aliás, é uma delícia. Tenho gastado muita saliva trocando dicas para uma nutrição melhor, para estirar a coluna achatada pelo trabalho em escritório, para melhorar a qualidade de vida. Particularmente, minha qualidade de vida só diminui quando confundo saúde com padrões estéticos. Desconfio que a beleza das pessoas emana principalmente do empenho em ser alguém agradável — primeiro para si mesmo, depois para aqueles que nos cercam.
Dito isso, há nada de errado com quem escolhe o body building como prioridade de vida, mas se convencer de que essa é a única forma possível de ser uma pessoa desejável é errado, sim. Feliz ou infelizmente, ainda temos conquistas mais urgentes a fazer do que um bumbum na nuca. Uma delas é o direito à autoestima e ao carinho pelo próprio corpo, seja ele como for. Mesmo que a intenção não seja essa, gente que despreza o próprio corpo costuma contagiar o entorno.
Há algumas semanas, estive embriagada em uma festa, com a blusa toda mal ajambrada, revelando parte da barriga aos passantes. Foi quando chegou uma amiga toda esbaforida, ajeitando minha roupa e perguntando se fazia tempo que eu estava "andando por aí assim". Fiquei assustada e perguntei sinceramente se era feio usar a barriga de fora. A amiga ficou muito sem graça e parou de ajeitar minha roupa. A gente sabe — e nem precisou mencionar — que se eu tivesse uma barriguinha musculosa, ganharia elogios em lugar da preocupação dela.
Outra coisa que tem acontecido com frequência é dizerem que estou mais bonita e não me darem tempo de agradecer antes de perguntarem se emagreci. Isso só me leva a crer que as pessoas me achavam feia secretamente, nem elogio é.
O problema de ser obcecado com a própria forma física é geralmente esse: com a sua gordofobia, você sempre acaba ofendendo alguém que não se odeia. Acreditar em padrão estético de Barbie como condição imprescindível para ter boa autoestima é disseminar um pânico que já está em toda parte — e não precisamos de mais reforços desse discurso além daqueles que o mundo já oferece sem parar.
Muito respeitosamente, torço para que todos os amigos conversem comigo sobre assuntos que não envolvam sacrifícios para se encaixar em um padrão de beleza que precisamos urgentemente desconstruir. Se me chamarem para comer bolo, inclusive, vou gostar mais.
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