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Luiza Sahd

Depois dos 30, bom mesmo é fazer amigos bebendo leite

Luiza Sahd

17/09/2018 04h00

Ilustração: mrzyk_moriceau

 

O famigerado ditado "Nunca fiz amigos bebendo leite" é, com certeza, invenção de gente jovem de fígado tinindo. Depois dos 30 — e com ressacas que mais parecem sintomas pós-operatórios durante uns dois dias — o ser humano com um pouco de juízo ou medo de injeção começa a ter que inovar na hora da socialização.

A ressaca pode parecer um argumento torpe diante da magnitude da euforia da manguaça cercada por amigos, mas a verdade é que ela é apenas a ponta de um iceberg. Odeio decepcionar os jovens cheios de sonhos que porventura possam ter clicado neste link, mas a outra verdade sobre os 30+ é que com o preço de um drink você pode, por exemplo, pagar a conta de gás ou parte das 870 faturas que coroam a vida adulta fora da casa dos pais.

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Por razões mais ou menos nobres, a gente inventa para si mesmo que vai ser saudável e, quando se dá conta, começa a investir em amizades na fila do açougue, na pracinha com o cachorro ou na espera do dentista do bairro. Lembra quando a sua mãe puxava assunto com desconhecidos e você se retorcia de vergonha? Então. É tragicômico quando você vê que virou a própria (e nem filho você tem).

De uns meses para cá, comecei a me esquivar da maioria dos convites para o bar com a mesma persistência que me esquivaria de um para ir à missa. O resultado foi:

  • Aprendi receitas com estranhos no supermercado;
  • Meu rosto desinchou cerca de 400%;
  • A barriga segue mais ou menos na mesma, paciência;
  • Conheci gente que, por não estar alucinando, falava coisa com coisa — e mantive a amizade;
  • Bati papo com mais senhoras na rua do que com gente da minha idade (e muitas vezes elas são mais divertidas do que nós);
  • Seguramente deixei de dar mole para uma meia dúzia de manés;
  • Passei a problematizar a música "Eu Bebo Sim";
  • Economizei bastante (mas depois gastei a diferença com blusinhas);
  • Descobri lugares divertidos da cidade em que o álcool não é mandatório: praças, bibliotecas, piscinas públicas, mercadões;

Quer dizer: não tem desvantagem. Todo mundo vai te chamar de velho, mas você vai rir por último quando acordar pleno em um domingo ensolarado enquanto os seus amigos respiram com ajuda de aparelhos — depois de mandar "oi sumido" pra quem não deveria. Em linhas gerais, beber menos é o rito de passagem para o bonito processo de "rejuvelhescimento" no qual você tenta manter a carcaça sã para poder continuar sextando até os 70 anos de idade, pelo menos. Nossa expectativa de vida cresceu demais nas últimas décadas e certamente a gente vai ficar entediado se não tiver saúde para viver tudo isso o que as estimativas prometem.

O ditado do leite pode até ser uma ótima piada, mas a nossa relação com bebida não tem graça nenhuma. Deve haver algum motivo meio triste pelo qual queremos enfiar álcool em qualquer contexto social (sem contar a cervejinha do relaxamento como hábito solitário). Nada disso é ruim esporadicamente, mas o nosso "esporadicamente" é frequente demais para ser chamado por esse nome.

As estatísticas sobre alcoolismo são pouco confiáveis quando vivemos em um mundo onde beber três vezes na semana não é considerado vício. Palavra de quem já perdeu muita gente querida por causa do orgulho ébrio: beber é bom, mas continuar vivo para ficar bêbado de vez em quando é melhor ainda. 

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.