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Luiza Sahd

Existem mil formas de agradar às pessoas. Por que usar seu corpo para isso?

Luiza Sahd

11/10/2018 04h00

(Foto: iStock)

Aos dez anos de idade, eu já "precisava" usar sutiã para não marcar o peito. Na mesma época, as calças tamanho 36 da minha mãe me vestiam perfeitamente e eu tratava minha primeira gastrite. Algumas crianças me chamavam de gorda mas, nessa idade, quem não sofre bullying? A forma física não me incomodava especialmente… até o dia em que resolvi ser a criança que de fato era e, apesar do tamanho, brincar de girar até ficar tonta. Caí justamente no meu brinquedo favorito: um Genius. Lembra dele?

O brinquedo quebrou e, enquanto eu chorava a perda, escutei: "também, desse tamanho que você está, o brinquedo tinha que escangalhar mesmo". Até hoje, minha mãe e outras familiares mulheres continuam cobrando que eu seja esbelta como elas.

O episódio do Genius em 1995 não foi o pior incidente do tipo, mas virou minha recordação mais antiga de vergonha do próprio corpo. Esse constrangimento nunca foi embora definitivamente, mas, recentemente, serviu para outras reflexões.

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Aos 23 anos, cheguei a usar roupas tamanho 34 e meu índice de massa corpórea (IMC) estava abaixo do saudável. A época foi insuportável tanto pelo que me fez emagrecer quanto pela maneira como as pessoas me bajulavam sem pudor de insinuar que "fui feia" até então. Quando me pediam a dica para perder tanto peso, eu tentava cortar o assunto explicando que a magreza era efeito de um remédio para síndrome do pânico — que provocava náuseas até enquanto eu dormia. Muita gente quis saber que remédio era esse. Para a sorte delas, ele só podia vendido sob prescrição médica.

De tudo o que fiz na vida até hoje para tentar agradar as pessoas, nenhuma atitude funcionou tanto quanto ser magra. Isso me assombrou por quase uma década e deve ser o motivo pelo qual não investimos tanto tempo em sermos melhores quanto gastamos na academia.

De tudo o que não gosto em mim, gordura localizada é o que me parece menos grave. Brava, mesmo, eu fico quando não realizo sonhos por preguiça, quando perco a paciência injustamente, quando gasto recursos que deveria ter poupado ou quando o medo me impede de concretizar algo importante. Mas é engraçado como essas coisas incomodam pouco (ou quase nada) quem olha de fora.

Usar o próprio corpo para ser querida, especialmente quando se é mulher, é também deixar de lado todo o entendimento sobre o significado do corpo. Passei dois terços da vida me perguntando por que eu não poderia ser só uma mente, afinal, cresci acreditando que meu corpo só servia para causar constrangimento, dar trabalho de manutenção e fabricar dor na eventualidade de uma doença, uma virose.

Por mais deprê que tudo isso possa parecer, nunca tive depressão. O que tive, no máximo, foi excessiva sensibilidade em relação às mensagens que nos são repetidas todos os dias na TV, na internet, na balada ou na fila da lotérica. Toda mulher sabe que precisa manter um certo padrão físico caso não queira escutar opiniões não-solicitadas sobre o próprio físico.

Ainda que possa parecer absurdo, acredito que o que falta para essas pessoas são doenças. Quem experimenta um susto grande, uma cirurgia assustadora, um diagnóstico desolador, descobre no ato o significado do próprio corpo. O ato seguinte é parar de ser doida, largar os regimes e prestar atenção no que manda para dentro (e no que expulsa do organismo) não para agradar a quem olha, mas para se sentir bem do lado de dentro.

Um corpo serve para estar vivo, saudável, para abraçar quem amamos, para trabalhar naquilo em que acreditamos. Um corpo serve para escutar música que provoca arrepios, para gerar outros corpos, para parir, para alimentar, para acolher, para sentir prazer e para proporcionar prazer. Você pode usar o seu corpo inclusive para não fazer nada — algo tão importante e que fazemos tão pouco.

O corpo é um sem-fim de possibilidades. Experimente a tranquilidade não atrelar o seu à missão de agradar aos outros. Pessoas que descobrem a satisfação de estar na própria pele sempre acabam abrindo mão de opinar sobre as outras. Deve ser porque elas sabem, como eu sei agora, que precisaríamos ainda de mais umas sete vidas para desfrutar de tudo o que um único corpinho (o que nos foi atribuído) pode oferecer. Confie no seu.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.