Descontrole na live: se fosse mulher, Bolsonaro já teria caído
Na noite desta terça-feira (29), o Jornal Nacional divulgou que mais um suspeito da execução da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes esteve no condomínio Vivendas Barras — onde Jair Bolsonaro residia — poucas horas antes do crime, no dia 14 de março de 2018.
De acordo com os registros da portaria e do circuito de câmeras do Vivendas Barras, o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, apontado como um dos executores de Marielle e Anderson, se apresentou dizendo que ia a uma das casas que pertencem a Bolsonaro. As imagens do circuito de segurança mostram que Queiroz se dirigiu diretamente à casa do PM reformado Ronnie Lessa — outro acusado dos assassinatos — com quem saiu de carro horas depois.
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A reportagem do JN afirma que o porteiro do condomínio declarou à polícia, em mais de uma oportunidade, que a entrada de Queiroz no Vivendas Barras teria sido autorizada ao interfone por Jair Bolsonaro. Além disso, o porteiro diz ter alertado o presidente de que o visitante estacionou "na casa errada" — mas Bolsonaro teria dito que sabia para onde Queiroz se dirigia. Na data do ocorrido, entretanto, registros oficiais da Câmara dos Deputados e conteúdos de redes sociais indicam que Jair estava em Brasília.
Descontrole ao vivo
Em resposta à reportagem da Globo, o presidente fez uma entrada ao vivo em seu canal no YouTube. Visivelmente desequilibrado, Bolsonaro começou a transmissão acusando Wilson Witzel (PSL), governador do Rio de Janeiro, de ter vazado as informações da investigação para a emissora com a intenção de queimá-lo para se candidatar à presidência em 2022.
Depois, comparou as eleições na Argentina (democráticas, como as nossas) a "problemas como os que estão passando no Chile". Na sequência, chamou de "historinha" as reportagens que tratam das transações bancárias suspeitas envolvendo o gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa.
A descompostura do presidente ainda escalou muito. A transmissão foi recheada de gritos, gesticulação agressiva e frases que viraram memes instantâneos:
No auge da ira, o presidente ainda chamou o trabalho dos jornalistas de patifaria e ameaçou não renovar a concessão da Globo ou de outras emissoras de televisão em 2022.
E se fosse presidenta?
Imagine uma chefe de Estado gritando, com a pele ruborizada de ódio, emendando uma sequência alucinante de palavras doidas como "deixa eu governar o Brasil!" durante um pronunciamento oficial sobre uma acusação de envolvimento em assassinato. É até difícil fazer esse exercício de abstração sem concluir que o desfecho do episódio seria um impedimento por questões psiquiátricas.
Em um dos pontos mais embasbacantes da live, Bolsonaro ainda reclamou que já tem gente insinuando que a tal voz do interfone — que autorizou a entrada de Queiroz no condomínio — poderia ser de um amante da primeira-dama. Uma presidenta não poderia abrir seu coração dessa forma na internet, a gente sabe.
O pronunciamento colérico do Jair não foi o primeiro nem o segundo gesto público que seria inadmissível caso partisse de uma mulher. Já pensou se uma presidenta publicasse um vídeo de golden shower no Twitter e, depois, ainda tivesse a audácia de perguntar o que é golden shower? Dá para afirmar, sem medo, que ela teria caído em seguida. Se chamasse a primeira-dama francesa de baranga, também. Se fizesse piada com pinto de japonês, idem.
Na verdade, já vimos uma presidenta ser chamada ostensivamente de histérica pela imprensa por muito menos — e nem faz tanto tempo assim. Em 2016, títulos como "Uma presidente fora de si" ou "As explosões nervosas da presidente"eram o pão de cada dia nos noticiários, muito embora Dilma Rousseff jamais tenha feito um pronunciamento oficial berrando "porra!" ou desmanchando o penteado enquanto rechaça indícios de ligação com milícias e execução de adversários políticos.
Olhando em perspectiva, dá até saudades do tempo em que a chefe de Estado era acusada de surtar — mas não publicava episódios de surto na internet para a apreciação do mundo inteiro, né?
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