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Luiza Sahd

Odiar homens está na moda? Bruna Marquezine diz que não espera nada deles

Luiza Sahd

11/10/2019 08h25

Mais temido do que o capeta sim, mas com autoestima baixa nunca. (Ilustração: Calum Heat)

 

Na última semana, Bruna Marquezine comentou no Twitter a separação do casal Kylie Jenner e Travis Scoot — que teria acontecido por conta de uma traição do rapper: "Eu já não tenho mais esperanças para perder em homens héteros".

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Aparentemente, a atriz não está sozinha nessa. Fazendo uma busca rápida pelo termo "homem hétero" na rede social, encontramos milhares de citações semelhantes — que vão de piadas mais ou menos descontextualizadas a situações tétricas com muito (mas muito) contexto:

Para além da já vexaminosa postura de Silvio Santos nos últimos anos, certas reclamações sobre o homem hétero nunca saem de moda porque muitos ainda seguem padrões antiquados de conduta. A palavra "antiquado" é boa porque é bem mais elegante do que os caras que ainda seguem esta cartilha:

 

A misandria está na moda?

A resposta para esta pergunta é difícil de simplificar, mas, simplificando muito, odiar homens já virou meme. Até o mote "ousadia e alegria" já foi substituído por "ousadia e misandria" em piadas que se multiplicam pela internet. Mas como isso aconteceu?

Quem pode explicar esse fenômeno melhor do que eu ou do que a Bruna Marquezine é o bando de homens (e algumas mulheres igualmente brilhantes) que protagonizam o filme "O silêncio dos homens". Ele foi disponibilizado de forma gratuita no YouTube e é extremamente didático — além de empático — na explicação dos fatores que têm minado o apreço de mulheres por homens mas, sobretudo, das posturas que têm minado a autorrealização deles.

Odiar homens, ultimamente, tem sido uma atitude feminina associada ao autocuidado. Isso não é uma sandice coletiva, mas coisa de quem já não tem tempo ou energia para cuidar de sujeitos crescidos com dificuldades de se cuidar no que é básico: asseio, saúde, alimentação e afetividade.

Que mulher autossuficiente e esclarecida, em sã consciência, vai querer pegar para si a tarefa de "educar" continuamente um sujeito que nunca termina de crescer — ou que finge que não termina porque não sabe fazer o mínimo por si mesmo e pelos outros em tarefas de cuidado? Quem quer um parceiro que não sabe contar o que está sentindo antes de que a frustração exploda em uma conduta violenta?

Esse papo de meninas contra meninos não é triste apenas para os homens. Ele é tristíssimo também para mulheres que gostam de homens mas, por motivo de autocuidado, optam por proteger a si mesmas antes de cuidar dos outros. A partir do momento em que as mulheres se emancipam (e que passam a chefiar casas em todos os sentidos), é natural que elas evitem se relacionar com sujeitos cujo comportamento oscila entre o hábito de fingir demência para não dividir tarefas básicas e demonstrações de analfabetismo afetivo — que emperra o compartilhamento da nossa experiência humana nas relações.

Assistir "O silêncio dos homens" foi provavelmente a hora mais bem gasta da minha vida no último mês. É emocionante ver como novas referências de masculinidade estão surgindo para quebrar o lugar-comum de guerra dos sexos. Um dos pontos mais comoventes do longa mostra a dificuldade dos rapazes de tocarem nos corpos dos colegas durante uma dinâmica de grupo.

A cena me lembrou todos os verões que passei frequentando piscinas públicas e observando homens das mais variadas idades falhando miseravelmente em cuidar da própria saúde: uns passavam óleo bronzeador no rosto sem medo de morrer, outros não passavam nada e abandonavam o recinto com cor de rosbife mal-passado; alguns faziam careta enquanto as parceiras se encarregavam de besuntá-los de filtro solar e os mais hábeis no autocuidado estavam no grupo de garotos beirando os 16 anos — que até passavam protetor, mas saíam com as costas estropiadas de sol porque, claro, pedir ajuda a um colega do sexo masculino para espalhar filtro nas costas seria inadmissível.

Tente imaginar mulheres com medo de macular a própria sexualidade por cuidar da saúde ou por terem relado no corpo de colegas. As pessoas podem argumentar que esse contraste existe porque os rapazes foram criados para sentir pavor de parecer mulher. Pode até ser, mas o que será que há de tão errado em se assemelhar a uma mulher? São esses héteros, que sentem profundo desprezo por comportamentos femininos, os tais homens que as mulheres têm sentido orgulho de desprezar de volta.

O grande ressentimento dos homens é a emancipação das mulheres. O grande ressentimento das mulheres é a subserviência aos homens. Entre uma coisa e outra, existe um caminho intermediário — e ele é bonito de verdade, repleto de experiências agradáveis para todos aqueles que não tenham ambição de dominar ou serem dominados por outras pessoas.

Todos estamos confusos e mais ou menos desconfortáveis com os novos papéis sociais que homens e mulheres abraçaram nos últimos anos. Da mesma forma que mulheres tiveram que se reinventar para participar mais ativamente do mercado de trabalho, de decisões familiares e da própria sexualidade, os homens vão precisar reinventar a própria afetividade, o modo de cuidar de quem amam e, principalmente, de cuidar de si mesmos.

Depois disso, provavelmente, dizer que a gente odeia uma pessoa por que ela é homem, mulher ou o que quer que diga respeito ao gênero de um sujeito vai ser a coisa mais cafona do mundo.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.