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Luiza Sahd

Quer conquistar uma pessoa? Conviva com o cachorro dela

Luiza Sahd

30/07/2019 04h00

Os cães nos expõem muito, sim. Mas quem não tá exposto nessa vida? (Ilustração: Reprodução/ Yuval Robichek)

Ninguém conhece direito uma pessoa até conhecer a relação dela com um bicho de estimação. Se todo mundo soubesse disso, gastaríamos muito menos horas investigando, escondidos, o perfil de potenciais paqueras em redes sociais — principalmente porque, nas redes sociais, o que a gente mais tenta é aparentar aquilo que não é. Em geral, funciona.

Eu poderia gastar horas tentando impressionar alguém com toda a inteligência, articulação e carisma de que sou capaz, mas bastaria que meu cachorro chegasse abanando o rabo com um passarinho morto na boca — como já fez antes — para que eu repetisse todos os gritos desesperados e a descompostura que precisei cometer no meio de um jardim lotado, com centenas de pessoas me encarando intrigadas, para deixar cair que posso ser louca em uma situação-limite como essas. Para saber mais sobre o motivo de tanto escândalo, leia sobre os riscos que o seu peludo corre caso engula um passarinho em decomposição.

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A boa notícia é que meu cachorro cuspiu o passarinho quando sacou que eu estava disposta a absolutamente tudo para impedir que ele fizesse aquele lanche indigesto; a má notícia é que tenho medo de passar essa vergonha novamente em todos os passeios que faço com ele.

Voltando ao que interessa, observar a relação de cães e seus donos é entender como uma pessoa ama, como ela cuida (ou como descuida) de quem depende dela e quais são os seus limites emocionais. A gente poderia pensar que esse fenômeno é facilmente observável na relação entre pais e filhos ou até na dinâmica de tutores de pessoas com qualquer animal de estimação, mas vamos às ressalvas. No caso das crianças, é evidente que se nota como um humano pode ser carinhoso, presente ou ausente, mas essas relações envolvem relações externas (como a dinâmica entre ela e a mãe ou o pai do filho) — o que já muda tudo.

No caso de animais de estimação que não sejam cães, os animais também podem ter menos inteligência para provocar os donos e, se for um gato, pode ser que o gato decida tudo a respeito da relação sem que o tutor possa interferir em muita coisa. Um abraço apertado aos meus amigos donos de gato: já passei pela experiência e amei, mas ando encrencada o suficiente com dois cachorros.

Em 2016 publiquei um livro sobre inteligência canina e fiquei surpresa com a semelhança entre o raciocínio dos cachorros e a capacidade cognitiva de crianças de 2,5 anos. Em linhas gerais, os cães são como eternas crianças de dois anos e meio, para bem e para mal. Ao contrário do que aconteceria com um filho, você não consegue explicar para o seu cachorro que vai sair mas pretende voltar ou falar os motivos porque mijar no sofá não é legal. Os cães testam a nossa compostura 100% do tempo.

Foi graças ao meu cachorro que gosta de carniça que fiquei íntima de dois dos meus melhores amigos e seus respectivos cães. Observando como eles tratavam as cachorras que nos tornaram amigos, entendi que aquela ali era a minha galera. 

Não é só na paquera ou na amizade que os cães podem ajudar a estreitar laços. Minha relação com os cães me ajudou e me ajuda profissionalmente de uma forma indizível. Primeiro porque eu trabalho fazendo pausas para amá-los e isso é um baita antídoto de estresse. Depois, houve casos mais emblemáticos. Uma vez, eu estava dançando em cima de uma mesa em uma festa de casamento na praia (ah, como foi bom ser jovem!) e pintou o papo com um colega de trabalho que "só faltavam meus cães ali para a felicidade ser completa". O papo deslanchou tanto que, antes do fim da festa, a ideia do livro supracitado foi concretizada. Depois que eu desci da mesa, claro. Negociar publicação de livro em cima de mesa nunca é uma boa ideia.

Mas sabe o que é uma legítima boa ideia? Observar a forma como o seu amigo, parente, ou o crush trata o cachorro. Ver como esse cachorro se comporta na presença do dono também fala muito sobre o dono. O cachorro é, antes de tudo, um cagueta do que temos de melhor e de pior no nosso íntimo.

Se você não tem cães, fica aí o alívio por não ter sua vida inevitavelmente devassada por um observador atento. Se o seu pretendente a paquera, amigo ou colega de trabalho também não tem cachorro, vocês terão a intimidade um pouco mais resguardada e, certamente, uma vida um pouco menos feliz — a menos que você encontre felicidades análogas às que um cão pode trazer. Não que seja fácil.

Algum dia, algum meme de internet pipocou no meu feed com uma foto de um cachorro e os dizeres "esforce-se para ser a pessoa que seu cão acredita que você é". Desde então, quando algum amigo com cachorro faz piada autodepreciativa, mando uma foto do cão dele dizendo "não fala assim do meu amigo". Nunca falhou.

Os cães dizem as coisas mais importantes sobre nós e nem falar eles sabem. Talvez seja esse o segredo para despertar a nossa já esquecida comunicação não-verbal em um mundo saturado de informações desnecessárias. Quando estiver interessado em saber mais sobre alguém, lembre-se que um cão pode ser mais valioso do que os serviços de um detetive. 

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.