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Luiza Sahd

Além da próstata: 6 prazeres que o machismo pode tirar dos homens

Luiza Sahd

12/12/2018 04h00

Numa escala de zero a Village People, quanto você se considera macho de verdade? (Foto: Divulgação)

 

Era uma sexta-feira besta em São Paulo quando vi um homem contando, em uma roda de amigos e colegas de trabalho, a seguinte história:

"Minha namorada passou uma semana viajando e, quando voltou, me chamou para uma conversa. Ela notou, na nossa caixa de preservativos, que quase não sobravam camisinhas ali — e que a gente não tinha usado aquilo juntos".

Todos da roda se prepararam para o pior.

"Então, ela perguntou se eu tinha emprestado camisinhas para algum amigo".

Todos da roda admiraram a forma elegante como ela questionou o paradeiro das camisinhas.

"Pedi que ela se sentasse comigo. Eu estava meio sem-graça, mas disse a verdade: quando ela viajou, senti falta de sexo. Usei as camisinhas para forrar objetos e introduzi-los no ânus enquanto me masturbava".

Todos da roda comemoraram o desfecho da história — e o total de zero medos que nosso amigo teve de parecer menos homem. Se era verdade (e acredito que sim), isso importa menos do que o gesto dele ali, diante da turma.

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Como comentei antes, neste post, homens conscientes do prazer que suas próstatas podem proporcionar sempre me pareceram mais confiantes sobre a própria masculinidade do que os que negam esse dado científico. Experimente jogar no Google a pergunta "para que serve a próstata?" e surpreenda-se com a quantidade de sites de saúde que só mencionam a função reprodutiva da glândula, sem dizer uma palavra sobre o potencial erógeno da região. No futuro, provavelmente vai parecer inacreditável que o assunto tenha sido tratado desta forma — como hoje nos parece absurdo que o clitóris tenha sido reconhecido como o órgão do prazer feminino apenas na última década.

Para além das preferências quanto a estímulos sexuais, muitos homens têm deixado de sentir diversos prazeres em todas as áreas da vida, ao longo de séculos, para não serem vistos como menos machos.

Ser homem é…

Caso você não tenha parado para pensar a respeito, note que a definição de homem é baseada, na maioria das sociedades, pelo contraste com aquilo que "um homem de verdade" não pode parecer: uma mulher, uma criança ou um gay.

Sempre que um homem é emotivo ou delicado, por exemplo, ele corre o risco de ser comparado a uma destas três figuras — como se o comportamento de mulheres, crianças ou gays fosse moralmente inferior ao arquétipo do cabra macho. Em espaços exclusivamente masculinos, a coisa se complica de verdade porque a necessidade de parecer inabalável também  agride os próprios caras mas, aparentemente, conversar com outros homens sobre o assunto ainda é um tabu. E há quem diga que as mulheres é que são uma classe desunida.

O prazer de desabafar

Assim como qualquer ser humano normal, homens também têm limites emocionais. Quando passam por situações dolorosas, eles dificilmente se permitem desabafar com amigos sobre suas aflições. A maioria tem esse tipo de conversa com mulheres; outros, nem isso. O resultado é que inúmeros cavalheiros acabam extravasando suas frustrações emocionais por meio de explosões de violência. Não por acaso, os crimes de agressão são geralmente cometidos por homens. Ruim para eles, pior ainda para o resto da sociedade.

O prazer de se cuidar

Uma vez, conheci um cara superpreocupado com a própria forma física, mas que tinha umas bolinhas no pescoço — idênticas a uma alergia que curei no passado usando apenas bom senso e creme hidratante. Perguntei se ele sentia coceira no local e ele disse que sim, mas que nunca tentou cuidar, hidratar ou buscar ajuda médica. Nada contra, mas se viver com coceira é melhor do que se sentir afeminado cuidando da pele, pode ser que alguma coisa esteja errada com o padrão comportamental masculino.
Fazendo um rápido exercício de memória, tente lembrar quantos homens do seu entorno têm atitudes de autocuidado básicas, tipo passar protetor solar na praia, se agasalhar adequadamente no frio ou fazer exames médicos de rotina quando têm acesso a esses recursos. Não é estranho que muitos tenham a oportunidade de se cuidar mas que não o façam por opção, mesmo que isso prejudique a saúde deles?

O prazer dos sentimentos

Em seu livro "The Descent of Man", ainda sem tradução em português, o artista e escritor Grayson Perry conta sobre o dia em que viu um menino de aproximadamente dez anos chorar na rua. O garoto estava com dificuldades para subir uma ladeira de bicicleta e soluçava com desespero e raiva chamando pelo pai. O pai, no alto do morro, estava de braços cruzados e também estava bravo, mas era porque o menino pedia apoio diante de uma dificuldade em vez de sofrer calado. Deve ser em momentos assim que muitos homens bloqueiam a capacidade de expressar sentimentos, ajudar e pedir ajuda. Em casa, na escola ou na rua, acabam aprendendo que não podem "fraquejar". Pena que, desta forma, acabem vivendo na negação do óbvio: todos temos limites e precisamos de uma forcinha quando estamos assustados. Mas ai do homem que sentir medo do que quer que seja.

O prazer de dar e receber ajuda

Do ponto de vista simbólico, receber ajuda é quase um sinônimo de ser amado. Dificilmente uma pessoa que não te queira bem vai oferecer apoio em um problema que não afete a ela. Também é difícil que pessoas sem poderes paranormais adivinhem quando os outros precisam de ajuda. Faça a matemática sobre a inabilidade masculina de pedir socorro e pense se isso é uma pista para explicar por que tantos homens têm dificuldade em apoiar ou receber apoio sem sentir o orgulho ferido.

O prazer de se expressar

Também no livro de Perry, existe uma análise sobre as diferenças entre as propagandas de roupas para homens e para mulheres. Em linhas gerais, a roupa masculina é vendida como item de necessidade e conforto, não como algo que pode ajudar a traduzir a personalidade de quem veste. Ao se vestir, a missão do homem padrão é tentar parecer sóbrio e equilibrado, no máximo um homem poderoso e de sucesso, mas sem muito espaço para subjetividades, cores ou estampas muito extravagantes. A má notícia também vai para as mulheres: de acordo com o mercado, homens têm que se vestir para serem observadores neutros, enquanto as mulheres têm que se vestir para serem observadas. Todos somos livres para fugir destes clichês, claro. Mas quantos homens heterossexuais fogem?

O prazer de não bancar o predador

Diz o ditado que um dia é da caça e o outro, do caçador. No caso dos homens, se espera que eles sejam caçadores todos os dias.
Nesta excelente entrevista, o antropólogo Rogério Azize destaca que existe uma infinidade de drogas pró-sexuais (como o Viagra) para homens, mas não existem drogas contraceptivas para eles; para as mulheres, não vemos uma gama de drogas que aumentem a libido ou prometam melhora de performance na cama. Trocando em miúdos, estamos imersos em uma cultura na qual se espera os homens sejam sempre viris, pegadores, predadores ou coisa que o valha, criando uma pressão desnecessária para os rapazes, além de um desequilíbrio que não ajuda muito a quem se interesse por sexo com prazer para ambos os lados.

Sempre que um cara percebe que ter sensibilidade não compromete sua identidade masculina, a sociedade ganha com isso. Mas quem ganha primeiro é esse cara — e os caras que têm a sorte de conviver com ele.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.