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Luiza Sahd

Saída de Jean Wyllys mostra como faltam homens corajosos no mundo

Luiza Sahd

25/01/2019 13h19

 

Por que ainda usamos a violência como ferramenta de negociação? (Foto: Reprodução/ thetylershields)

Na última quarta-feira, sofri uma tentativa de assalto no centro de Madrid. Já é a segunda vez que acontece este ano (e que o assalto fica só na tentativa mesmo, porque tenho um reflexo incontrolável de gritar muito alto quando sou surpreendida por uma agressão). Em São Paulo, no ano de 2013, passei pelo mesmo — com a diferença que o ladrão reagiu ao berro batendo na minha cara ao invés de deixar o assalto para lá porque já tinha muita gente olhando. A gente nunca está preparado para reagir de maneira adequada quando somos violados.

Se o toque de estranhos tentando arrancar objetos da minha bolsa já me desorienta nesse nível, nem imagino como reagiria diante de uma ameaça de morte — como vem acontecendo com o deputado federal Jean Wyllys (PSOL), que contou à reportagem da Folha de São Paulo sobre sua decisão de deixar o país porque não acredita que "heróis mortos" ou mártires possam servir para ajudar muita gente. 

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É interessante que uma atitude de tamanha hombridade como é a desistência venha justamente de um homem gay. Pode acreditar: desistir não é para os fracos em uma sociedade como a nossa, que sempre interpreta a fuga como um gesto de covardia. Vamos entender melhor como a ideia de covardia foi construída?

Desde tempos imemoriais, um dos sinais mais básicos de masculinidade tem sido a violência: com inspiração nos animais irracionais, fomos ensinados sempre que é mais homem aquele indivíduo que consegue ser dominante através da violência. E é justamente por isso que todos os meus assaltantes — e os seus também — foram e continuarão sendo rapazes. A menos que a gente mude de opinião sobre o que é covardia.

Covardia, para um ser dotado de inteligência e integridade, deveria ser mais associada à necessidade de portar um revólver (ou qualquer artefato letal) para se mostrar "corajoso". Todos os caras que já me assaltaram, se fazendo valer de armas ou musculatura maior do que a minha, esses sim me parecem covardes demais. Da pessoa que quer manter a integridade física diante de uma ameaça deslealmente brutal, só dá para afirmar que ela tem senso prático e é corajosa — inclusive por fazer a opção de continuar vivendo nesse mundo cão.

Enquanto a força bruta for entendida como único modelo possível de poder, a gente vai continuar tendo comportamentos que se assemelham mais aos de animais do que de humanos. A violência ainda é tão usada como ferramenta de negociação que nem parece que existem alternativas a isso. Para citar só um exemplo, a nanotecnologia está provando que é possível operar revoluções sem precisar aniquilar ninguém. Todos os progressos da raça humana vieram de trabalhos em coletivos (como acontece em pesquisas científicas, por exemplo) — e todos os retrocessos vieram de conflitos violentos.

Não existe uma fórmula mágica para desfazer a crença equivocada de que ser homem e brutal é sinônimo de ser poderoso. O entendimento do poder por outras vias de atuação é uma aprendizagem que vai nos custar sabe-se lá quantas décadas e quantos mortos. Uma coisa, entretanto, podemos aprender desde já: a apreciar os homens corajosos como Jean Wyllys e seu suplente, David Miranda, que declarou que "vai para Brasília com as pernas tremendo mesmo".

O medo — sentimento que os homens foram ensinados a sublimar, desde pequenos — é o que produz adultos tão covardes e explosivos a ponto de reagir a tiros quando se sentem contrariados, como é o caso dos inimigos políticos de Wyllys. Quando o medo masculino for naturalizado e quando os homens forem livres para conversar a respeito de seus medos, teremos um entorno com muito menos reações violentas do que agora.

Por enquanto, só podemos louvar a coragem de Wyllys e Miranda por serem homens que expõem, corajosamente, seus medos. Tomara que eles possam inspirar muitos outros.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.