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Luiza Sahd

Brigas e final de ano: fique tranquilo, as relações profundas nunca acabam

Luiza Sahd

31/12/2018 05h00

Misto de amor e ódio: um clássico natalino. (Ilustração: yeahyeahchloe)

Hoje é o último dia do ano e a gente sabe o que acontece quando o relógio chega perto das 0:00h. Um minidocumentário sobre o seu 2018 vai se misturar com o barulho dos fogos na cabeça e pode ser que você sinta um monte de coisas. Entre elas, pena das despedidas e rupturas que viveu ao longo do ano.

O mês de dezembro já é um assunto de saúde pública: de acordo com a International Stress Management Association (ISMA Brasil), o nível de estresse das pessoas aumenta em até 75% nessa época. Com isso, muitos casos de depressão se agravam, especialmente em um ano com tantas brigas por divergências ideológicas.

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Se você se sente especialmente triste e sozinho nesse momento, é importante procurar ajuda amiga ou profissional. Se o caso não for grave, talvez você possa encontrar respostas sozinho mesmo, lembrando que relações intensas nunca terminam de verdade. Eu queria muito que alguém tivesse me contado isso antes.

Há sete anos, quando comecei a fazer terapia seriamente, tomei um choque ao descobrir que tinha dificuldades para falar sobre sentimentos. Logo eu, conhecida como cara-de-pau desde criança. Ao que tudo indica, meu problema não era vergonha: sempre tive um misto de medo e preguiça de brigar desnecessariamente — inclusive porque dificuldade para ser grossa eu nunca tive.

A terapia é quase sempre muito legal e no meu caso não foi diferente, a não ser pelo fato de que acabei virando uma monstra da assertividade. Quando entendi que expressar desacordo com as pessoas amigavelmente é uma forma de evitar atritos futuros, passei a usar o recurso inclusive com quem prefere curtir um ranço em silêncio. O resultado foi, obviamente, frustrante.

A gente descobre duas coisas importantes sobre a vida quando aprende a expressar emoções num tom razoável:

1- É a atitude mais honesta que qualquer pessoa pode ter — inclusive consigo mesma;

2- Nem todo mundo está preparado para isso, mesmo que você esteja.

O ditado "quando um não quer, dois não brigam" é ótimo, mas eu acrescentaria que "quando um não quer, dois também não ficam em paz". Percebi isso enquanto me queixava, para uma amiga, de um ex que nunca topou tomar um café para colocar um ponto final na relação. Ela perguntou por que eu precisava tanto de uma conclusão dessa conversa se, às vezes, as coisas não têm uma conclusão lógica num primeiro momento.

Percebi que ela foi até otimista, porque na verdade existem mistérios que nunca chegam a ter uma conclusão. Repassei mentalmente todas as brigas familiares da minha vida e está confirmado: nunca deixarei de ser filha, irmã, neta ou prima de ninguém. Mesmo nas situações em que cortei laços com pessoas, continuei vivendo essas relações à distância — e nunca terminei de aprender tudo o que tenho para aprender com elas.

O garoto que quis terminar tudo em silêncio me ensina, até hoje, que se calar é um direito sagrado de qualquer pessoa, inclusive meu. Gostando ou não, continuo me relacionando com ele a cada vez que preciso lidar com silêncios desconfortáveis. O parente que me ofendeu e não pediu desculpas me ensina que não preciso avisá-lo de que, no meu coração, ele já está perdoado. Talvez ele também esteja se relacionando comigo quase diariamente, quando encontra novas dificuldades movidas por orgulho ou agressividade.

A coisa mais estranha que descobri no estranho ano de 2018 foi essa: quando você se relaciona profundamente com alguém, você acaba se relacionando com essa pessoa pela vida inteira, mesmo que vocês não se vejam, não se falem ou que um de vocês morra.

Lembrar que relações intensas nunca terminam traz vários alívios paralelos. Primeiro, porque a gente esquece o medo de perder as pessoas (como você vai perder alguém que está vivo na sua memória?);  depois, você confia mais no futuro (quem disse que vocês não vão se reencontrar em circunstâncias melhores?). Por último, sentir gratidão pelo aprendizado pode ser justamente o ponto final de histórias difíceis e inconclusivas.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.