Uma carta para quem não escuta música no banho
Luiza Sahd
18/05/2018 04h01
Imagem: iStock
Banho é sempre uma questão sensível para um brasileiro. Morando na Europa, em uma cidade mais seca do que aquele pão velho que a gente usa pra fazer rabanada, confesso que já cogitei flexibilizar um pouco minha política de higiene pessoal já que, aqui, não transpiro muito.
Acontece que eu escuto música no banho. E esse hábito, sim, é difícil abdicar. Escutar música no banho não é igual a escutar música, porque no banho, a menos que você esteja em situação de roteiro pornô ou de Hitchcock, ninguém interrompe seus pensamentos. Me dei conta disso quando me flagrei batendo palma para uma música no chuveiro, logo depois de verificar que caiu um pagamento na conta.
Em breve pesquisa com amigos, fiquei indignada ao saber que tem gente que toma banho sem música, então deixo aqui argumentos definitivos para que alguém, uma pessoa que seja, leia esse testemunho e repense sua conduta. Hoje, por exemplo, três minutos e meio de ducha mudaram minha vida para sempre, porque pude prestar 100% de atenção nessa música:
VAMOS JUNTOS NELA?
Sem medo nem esperança (Arthur Nogueira/ Antonio Cicero)
Não sou mais tola não mais me queixo
(Realmente, Gal, esse negócio de ficar reclamando das coisas é chato pra caramba)
Não tenho medo nem esperança
(Nossa, isso aí de medo e esperança é o combo da síndrome do pânico que já tive, medo de errar e ansiedade de fazer tudo certinho. Melhor coisa mesmo não ter medo nem esperança, taí.)
Nada do que fiz
Por mais feliz
Está à altura do que há
Por fazer
(Uai, mas isso aí parece esperança. Talvez seja, mas também é reconfortante pensar que o que foi malfeito não importa tanto porque ainda tem um monte de coisa pela frente, né? Antonio Cícero lindíssimo, falou tudo).
E se me entrego às imagens do espelho sob o céu
Não pense que me apaixonei por mim
(Realmente, quando a gente tá com essa autoestima contagiante, pega meio mal socialmente. E agora?)
Bom é ver-se assim
De fora de si
(BATEU, BATEU, ME SOLTA!!!!!!!!!!!!)
Eu viveria tantas mortes
E morreria tantas vidas
(VIXE! ISSO É PRA MIM SIM, ISSO É O PURO RELATO DE UMA PESSOA QUE TEVE PÂNICO, não, pera, o autor nem deve ter passado por nada disso)
E nunca mais me queixaria
Nunca mais
(É isso, vou sair desse banho e cuidar da vida porque nada do que fiz, por mais feliz está à altura do que há por fazer)
(Nossa, olha esses riffs, a Gal tá roqueira pra caramba)
Saí do banho, me enxuguei. Me vesti. Me maquiei. Chequei a caixa de e-mails e percebi que a vida vai ser um pouco mais complicada do que eu supunha no banho, mas tenho confiança de que todo esse equívoco vai se dissolver na próxima oportunidade de tomar uma ducha.
Sobre a autora
Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.
Sobre o blog
Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.