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Luiza Sahd

Obrigada por tudo, síndrome do pânico!

Luiza Sahd

21/07/2017 04h00

Qualquer pessoa razoável tem algum medo de morrer ou da parte lá em que te metem num caixão ou num incinerador ou o que quer que façam com o seu corpo quando você já não puder fazer nada com ele.

Isso pode gerar claustrofobia de maior ou menor grau em pessoas consideradas mentalmente saudáveis. Nas consideradas portadoras de algum transtorno de ansiedade, nem te conto.

Ontem, fiz a primeira ressonância magnética da vida. Essa hora chega para todos, cedo ou tarde. E eu nem estava nervosa: trato minha síndrome do pânico há seis anos, mas convivo com ela há dezessete.

Disfarçando mal meu desconforto por ter de entrar numa cabine um pouquinho pior do que as de aviões, cheguei fazendo piada. A enfermeira perguntou se eu seria capaz de me manter imóvel por 15 minutos. Resposta: MINHA SENHORA, VOCÊ ESTÁ FALANDO COM A MAIOR ESPECIALISTA DA AMÉRICA LATINA EM FICAR IMÓVEL.

Ela ri, chega outra enfermeira, me colocam na esteira, enfiam tampões no meu ouvido, deixam uma campainha de emergência na minha mão e, enquanto o motor começa a me tragar para o interior daquele trem, uma delas dá tchauzinho e avisa que "caso me esqueçam lá dentro (eu era a última paciente do dia), não é para preocupar. No dia seguinte, elas chegavam às 9h". Elas gargalhavam freneticamente da piada. Eu também, mas era de nervoso.

O que me deu forças para honrar o suposto troféu de heptacampeã latinoamericana de imobilidade foi a perspectiva de ter que recomeçar aquele exame horrível ad infinitum. Quando finalmente acalmei a respiração, meu nariz começou a coçar. A vida de campeões não é fácil, mas consegui quebrar o recorde de uns 8 minutos sentindo cócegas sem rir ou chorar.

Quando Edvard Munch pintou "O grito", não poderia adivinhar que, na verdade, estava retratando os bastidores de uma ressonância magnética.

Já briguei muito com o pânico, mas, ultimamente, fizemos as pazes. A gente entrou em um acordo mais ou menos assim: eu respeito os limites que ele coloca e ele respeita os meus. Quando abuso, ele entra no cenário avisando — de modo não muito sutil, causando vertigens, palpitações e formigamento de extremidades corporais — que deu ruim. Tem dia em que respondo "OK, você tem toda a razão. Vou ali descansar, dane-se essa merda toda!". Em outros, só me resta tretar: "Ei, peraí, agora eu preciso estar no comando. Isso aqui que estou fazendo é muito importante para a gente, então senta aí do meu lado e espera um pouquinho que já cuido de você". Juro que funciona. Mas não foi sempre assim.

Por ser portadora desse mal cada vez mais comum e ter um espaço midiático disponível, me sinto na obrigação de falar com quem passa, passou ou vai passar pelo pânico. Quando ele começou para mim, a informação disponível na internet vinha primordialmente de fóruns desesperadores em que leigos como eu trocavam experiências — horríveis, diga-se — com essa pentelhação de certeza de que se está morrendo quando, objetivamente, não se está nem perto disso.

Já subi em mesa de médico que queria fazer minha ficha enquanto eu tinha certeza de que estava enfartando aos 22 anos, já vi dragão colorido voando no meu quarto por causa de medicamento inadequado, já roubei garrafinha de água da mão da senhora que sentava ao meu lado no ônibus entregando uma moeda e explicando que ia desmaiar, coitada. Já ouvi médica dizendo que, se eu achava que ia entrar em convulsão, que convulsionasse. "Mas isso vai incomodar mais a sua família do que a você mesma. Olha lá como sua avó está preocupada. Você quer chamar a atenção ou o quê?". Quem me vê andando sorridente e impune aí pelas ruas, nem imagina.

Sério. O pessoal não é obrigado, mas realmente, pouca gente sabe lidar com isso. A médica sim, essa era obrigada. Mas danem-se os médicos. A questão é você conseguir lidar com uma "doença crônica" que não te coloca em risco real de morte.

Se eu tivesse o superpoder de falar com todas as pessoas que estão assustadas e com medo de enlouquecer de pânico neste momento, eu diria o seguinte: largue o que te aborrece mais nesse momento. Sem saúde mental, você não vai mesmo dar conta de nada; procure um psicólogo; se precisar de remédio, confie neles; sobretudo, acredite, você não está e nem vai ficar louco de vez. Você tá é de saco cheio e, de acordo com a nossa Constituição, isso não está proibido.

Não cabe a um blogueiro passar instruções médicas a um paciente de transtorno de ansiedade, mas posso te contar que sou extremamente grata a minha síndrome do pânico. Sem ela, eu não saberia que meu cérebro funciona em uma velocidade acima da média e que é possível canalizar esse giro em coisas criativas. Sem ela, talvez eu passasse décadas desrespeitando minhas limitações físicas e emocionais. Sem ela, eu não teria buscado terapia e, hoje, seria uma pessoa menos consciente do meu papel pessoal, familiar, conjugal, profissional, bota aí o que você quiser. Sem ela, provavelmente eu não teria uma coragem e uma cara-de-pau invejáveis… e ainda teria medo de perder a razão, ignorando o fato de que todo mundo perde a razão em uma ou outra curva da estrada.

Se você está com pânico, não tente chutá-lo. Isso só vai piorar a situação. Como todo mundo, ele precisa ser abraçado, compreendido, acolhido. Você se surpreenderia com o que ele pode te devolver em sinal de gratidão se for bem tratado. Se cuida, tá? Algumas pessoas em volta podem até tentar fazer isso por você, mas só vai funcionar se você fizer o mesmo.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.