Por que o brasileiro é tão amado pelo mundo?
Luiza Sahd
09/01/2018 08h00
Assim que se mudou aqui para a casa, a amiga que mora comigo em Madrid perguntou:
"Como se diz 'NO CAPRICHO' em espanhol?"
Um minuto de silêncio pro meu cérebro, que travou. Ela é uma especialista em fazer perguntas trava-cérebro, mas também costuma me ensinar muito sobre a vida toda vez que larga uma granada sem pino dessas na minha direção.
Moro há quase três anos na cidade e, depois de meses me perguntando como responder à pergunta, tive uma conversa franca com ela. "Olha, Rafa, aqui na Espanha não tem nada 'no capricho' não. Sinto muito".
Dessa vez, acho que o cérebro dela foi o que travou. Fomos descobrindo, juntas, que "no capricho" é um conceito brasileiro demais para existir em outros lugares. Vejamos:
O que quer dizer quando você tá saindo da balada e pede um prensadão NO CAPRICHO?
Nas entrelinhas, você tá dizendo mais ou menos o seguinte: "amigo, eu sei que tô pagando dez contos por dois pedaços de pão com uma salsicha no meio e umas colheradas de outras coisas, mas tem jeito de você enfiar recheio a mais aí até o lanche quase explodir?"
"No capricho" é uma forma carinhosa de barganha ou, pragmaticamente, uma desonestidade com pegada dengosa. Isso me fez lembrar do conceito de "chorinho" outro dia por aqui, quando pedi uma vitamina que não coube no copo e o moço que estava atendendo não ofereceu o chorinho. O próprio nome "chorinho" já diz tudo, né? Você compra um copo e dá uma chorada pra ganhar um pouco mais de suco. Tentando disfarçar minha brasilidade e quem sabe em atitude orgulhosa, também não pedi. Fiquei na saudade — outro conceito só nosso e dos portugueses.
Vivendo na Espanha, temos nos deparado com várias situações semelhantes — e geralmente relacionadas à comida, mas que dão pano pra manga em muitos aspectos. Por aqui, um lanche tradicional é o bocadillo de calamares, que consiste em um sanduíche (geralmente servido com um pão mais seco do que o Saara) recheado de lulas empanadas. Só isso mesmo: sem molho, sem queijo, sem amor, sem capricho.
Indignada com a tradição excessivamente farinhenta, a Rafa ainda tentou tirar capricho de lugares improváveis. Perguntou ao garçom se não tinha como acrescentar um molhinho e tal. Ele disse que sim, estendeu um sachê de maionese de marca duvidosa e cobrou 20 centavos extra no lanche.
As relações entre os europeus também são mais secas do que as nossas. Por um lado, é uma alegria experimentar assertividade e sinceridade quase sempre. Por outro, o brasileiro que disser que não sente o choque cultural quando precisa se comunicar objetivamente em tudo… esse cara está mentindo.
Durante um curso sobre relações diplomáticas, o professor de um amigo comentou que, em negociações políticas, os latinos "são metade carinho e metade argumentos". Em outras palavras: temos muita dificuldade em interagir apenas racionalmente. Nossos argumentos acabam sendo meio emotivos, seja em contextos formais ou na hora de pedir um lanchinho feito com amor.
Isso é de todo mal?
De jeito nenhum. O fenômeno "no capricho" tem pelo menos cinco bilhões de explicações na construção da cultura brasileira, e a explanação dela eu deixo para os sociólogos. Objetivamente, somos mais queridos, ainda que isso venha com vantagens e desvantagens.
Dentre as vantagens, eu destacaria isso aqui:
"Estou comendo um bolo de cenoura de verdade (o brasileiro) pela primeira vez na vida, e os americanos não têm ideia de como efetivamente transformar cenouras em um bolo"
Sabe o que é isso, né? Capricho.
Se não for argumento suficiente, dê uma checada nisso aqui.
Quem experimenta a comida, a música e as relações humanas no Brasil pode nem estar de acordo com tudo o que fazemos, mas vai descobrir, voltando para o país de origem, o que é saudade. Nem tudo o que é gostoso faz bem, mas sempre faz falta.
Sobre a autora
Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.
Sobre o blog
Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.