Sobre fala de ministro: universidade sem balbúrdia não vale muita coisa
Na última semana, o ministro da Educação Abraham Weintraub anunciou um corte de 30% na verba destinada às universidades federais que, de acordo com critérios pouco objetivos, "não apresentem o desempenho esperado e promovam balbúrdia em suas instalações". Nem os marcadores de bom desempenho e nem o que seria balbúrdia ficou muito claro, como vemos aqui.
Duas questões na fala do ministro são intrigantes. A primeira e mais surpreendente é que Weintraub parece acreditar de verdade que o desempenho das federais possa melhorar com o corte de um terço do orçamento — assim mesmo, como se "castigar" instituições com escassez de recursos pudesse produzir algo diferente de sucateamento institucional.
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A segunda parte da fala de Weintraub, sobre balbúrdia, não é menos esquisita. Imagine uma geração de jovens frequentando a universidade durante uns cinco anos sem questionar nada, só anotando a tarefa, tirando boas notas, obedecendo e voltando para casa. Se essa imagem não te parecer deprimente, talvez seja hora de repensar sobre ciência, educação e desenvolvimento humano.
A ciência só existe porque, geração após geração, alguém coçou a cabeça e concluiu que havia jeitos melhores de fazer o que nossos ancestrais andavam fazendo. Não existe desfavor maior para o avanço científico, educacional e humano do que esperar que alunos apáticos ocupem bancos de escolas ou universidades. Se é que tem hora boa para questionar tudo o que existe e todas as pessoas, ela acontece ou deveria acontecer durante a vida escolar e acadêmica.
É precisamente nesse espaço (universidade) e nessa idade (vinte e poucos anos) que temos vontade e disposição para tentar mudar alguma coisa no mundo. O ensino superior, além de oferecer conteúdo programático, precisa ser um lugar seguro para que jovens ensaiem suas aptidões, convicções e inventem seu "eu adulto". Se a universidade não é um ambiente perfeito para isso, qual deveria ser?
O que o ministro chama de balbúrdia (manifestações políticas, artísticas e festas para além das aulas) a gente deveria reconhecer como ambiente saudável para o desenvolvimento de adultos funcionais, vívidos e curiosos. Qualquer coisa muito diferente disso seria uma linha de produção de zumbis.
Aluno passivo é aluno saudável?
Durante uma palestra na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a filósofa, psicóloga e artista Viviane Mosé explicou a tal balbúrdia da vida escolar de modo brilhante: "Somos uma sociedade deprimida, suicida e medicada. Adultos tomam fluxetina e, crianças, ritalina. Estamos drogando nossa crianças para que fiquem passivas enquanto o professor dá aula", concluiu.
Mosé também falou sobre a importância de dar voz aos estudantes. "Ouvir os alunos não é necessariamente atendê-los, é considerá-los. Os alunos podem decidir e escolher, e isso leva a experiências inacreditáveis", explicou.
Esperar que jovens não se comportem como jovens é sonhar alto demais — principalmente para um governo que fala tanto de austeridade. Se existe balbúrdia nas escolas e universidades, isso é um sinal inequívoco de que os alunos ainda sentem vontade de viver e de aprender. O contrário disso é que seria preocupante.
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