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Luiza Sahd

Você sabe diferenciar paquera de assédio?

Luiza Sahd

27/11/2018 04h00

Você já se perguntou se o seu xaveco é bom pra todo mundo? Pois deveria. (Foto: reprodução/ virginandmartyr)

Como diria o poeta, uma encrenca sempre puxa outra. Na semana passada, comentei aqui uma das várias encrencas modernas que fazem com que os millennials tenham uma vida sexual tão caída — apesar de toda a quebra de tabus que esta década proporcionou.

Nos comentários do post, ficou evidente que um pessoal vem sentindo dificuldade para diferenciar paquera de assédio. Infelizmente, muitos acreditam que a iniciativa de flerte cabe sempre ao homem e que o julgamento sobre o que é assédio ou paquera acaba ficando nas mãos da mulher.

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Para começar essa conversa, é importante contar ao amigo hétero que também existe vida para além da própria orientação sexual. Homens que xavecam homens, mulheres que curtem mulheres e não vamos nem entrar no mérito, mas estão entre 52 e 56 os gêneros com os quais podemos nos identificar atualmente. Assim sendo, a norma que deveria reger essa dinâmica toda aí é o bom senso.

Não acredito que estou escrevendo algo que devia ser tão óbvio, mas aí vai: para ter bom senso na paquera, basta você pensar em como gostaria de ser abordado por alguém que não te interessa sexualmente. Exemplo: você é um cara hétero e tem um rapaz a fim de te beijar. Qual seria a melhor forma do rapaz chegar em você para manifestar o interesse dele? Pois é dessa forma que você tem que chegar nas pessoas que te atraem.

Gosto muito desse exemplo porque temos aí um lado da moeda que dificilmente fica visível para os caras héteros. Primeiro, vemos que não é errado se interessar por outra pessoa e tentar a sorte. Segundo, dá para entender que pode ser intimidador quando alguém em quem não estamos interessados chega junto de modo tão direto (ou grosseiro) que causa mal-estar.

Pergunte a uma mulher quantas vezes na vida os caras demonstraram interesse por ela seguindo o curioso ritual de se apresentar e bater papo sem tocar o corpo dela (ou sem dizer nada que a avó dele não poderia escutar) — pelo menos nos primeiros minutos, antes de demonstrar atração. A resposta vai ser deprimente, prometo.

Ao que tudo indica, uma das diferenças entre paquera e assédio é o tempo que se dedica a essa arte milenar. Quem quer paquerar não pode ter pressa, por mais triste que essa notícia possa parecer. Ser interessante para outra pessoa toma um tempo mesmo, mas isso não quer dizer que esse tempo precisa ser desagradável. Se é, talvez o conceito de flerte esteja meio embaralhado na sua cabeça.

O flerte serve para que duas pessoas se conheçam, se gostem, se queiram. O assédio só atende às vontades de um dos dois envolvidos. O principal critério para diferenciar um do outro é notar se o "não" do seu alvo está sendo desrespeitado. Qualquer forçação de barra pode ser assédio sim, mesmo que tenha começado como um flerte ótimo.

Retomando o que foi dito no texto anterior, paquerar é se fragilizar; assediar é intimidar o outro. A paquera sempre é uma situação de insegurança: quem fica a fim de outra pessoa está sujeito a receber desinteresse em troca. Não existe paquerar sem respeitar essa regra básica.

Se todo mundo se perguntasse, antes de paquerar, em que medida a própria postura pode amedrontar outra pessoa, o tom e a qualidade dos xavecos subiriam muito de nível. A quantidade de xavecos que terminam em beijos, também.

Para azar de homens e mulheres, o assédio disfarçado de paquera tem sido usado desde tempos imemoriais como estratégia para afirmar a virilidade de quem está interessado. Chamar uma desconhecida que está passando de "gostosa" serve apenas para alardear que você sente tesão. Para beijar que é bom, nada.

Os desdobramentos de uma paquera podem ser muitos quando admitimos que o outro lado pode não querer o mesmo que a gente. Em flertes saudáveis, a interação pode virar qualquer coisa entre amizade e casamento. Em assédios, vira trauma e mal-estar. Se alguém se sente ofendido com o seu desejo, pode ter certeza: você pulou alguma etapa fundamental na hora de contar que ela é uma pessoa interessante e que você não quer fazer mal nenhum a ela.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.