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Luiza Sahd

'Quem sabe faz ao vivo': flertar pessoalmente virou coisa de gente bizarra?

Luiza Sahd

22/11/2018 04h00

Se você é um jovem adulto interessado em sexo, sei lá o que está fazendo, mas é importante que pare agora para ler este artigo da Kate Julian na "The Atlantic", sobre os motivos porque estamos transando tão pouco… justamente na era em que grandes tabus estão sendo superados.

Com uma mão na consciência e a outra no teclado, já aviso que os próximos 18 textos deste blog provavelmente terão em conta o trabalho de Julian, já que ela fez um listão muito competente dos maiores paradoxos sobre a sexualidade millennial — e fica meio difícil dormir sem pensar neles pelos próximos meses. Neste vídeo, ainda sem tradução para o português, é possível checar o tamanho do problema:

Dito isso, vamos a um dos dados mais horrorizantes levantados pelo artigo: desde a criação dos aplicativos de paquera como o Tinder, nossa relação com a conquista amorosa vem ficando perigosamente parecida com a de custo x benefício que esperaríamos em uma compra na internet.

Você quer eficiência, @?

Quando todo mundo no mundo está ocupado demais para perder tempo com bobagens (i.e.: rolos que podem não dar em nada), é natural que nenhum dos lados na conquista priorize muito o tempo para flerte, criação de laços e todas aquelas coisas que aconteciam antes de a gente ter a opção de escolher o date da noite feito pizza, pelo celular.

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Lembra quando a gente tinha que telefonar para chamar as pessoas para sair? Telefonar. E quando a gente tinha que flertar sem esperança de manter contato via redes sociais com a pessoa que acabou de conhecer? Bom. Nessa época, digamos que a gente era meio que obrigado a abraçar a oportunidade que aparecesse, na hora, para converter tanto zero a zero. Talvez o fato de não ter como deixar a paquera para depois fosse o grande fator de sucesso da paquera pré-apps.

Considerando o tempo que a gente passa em frente a uma lista de alternativas do que queremos consumir em uma loja digital, por exemplo, quantas vezes você acabou saindo da aba sem escolher nada? Pois as chances de você ou o outro envolvido fazer o mesmo com a paquera de vocês — que passou para a lista de contatos em redes —  é imensa.

O início dos anos 2000 ainda era o paraíso dourado do flerte, também, porque a gente não tinha a oportunidade de entrar nos perfis digitais do crush e descobrir que, sei lá, ele tem convicções políticas polêmicas ou curte usar camisa social com bermuda de tactel. Eram surpresas que a gente tinha já tarde demais, quando o amor já tinha se estabelecido — e só nos restava lidar com os defeitos de pessoas normais, como faziam os antigos sumérios.

Se só isso já pode parecer perturbador, senta aí que o pior ainda não chegou. De acordo com Julian, dos fatores que tornam a vida do jovem adulto bem meia bomba, a angústia de desempenho que o mecanismo de aplicativos provocou parece a grande BR de um caminho sem volta. Quando damos match com alguém no Tinder, por exemplo, sabemos que o "olá, tenho interesse" ali é mútuo. Quem garante isso na paquera da vida real? Ninguém.

Se você nunca esteve em um flerte ao vivo com medo de ser rejeitado sem saber que a outra pessoa estava sentindo o mesmo, talvez não esteja vivendo os anos 2000 corretamente. As pessoas podem até trocar olhares e uns xavecos na balada, mas aquele papinho furado raiz, aquela paquerada sutil em ambientes menos descontraídos — tipo a o elevador da firma, como a repórter bem exemplificou — está virando costume do século passado. Quem em sã consciência entra no elevador hoje em dia e pensa "ta aí, vou paquerar essa pessoa do meu lado!" ao invés de enfiar a cara na tela do celular?

Sem a certeza de reciprocidade de interesse do crush, a gente tem preferido ficar com aquele não que já tem ao invés de correr atrás da humilhação. Se era eficiência que a gente queria, infelizmente a técnica é péssima para fazer qualquer encontro sensual acontecer.

E o assédio?

Se algum cara bem desonesto leu até aqui, pode ficar tentado a argumentar que "não paquera ao vivo porque tudo agora é assédio". O assédio e a paquera não têm nada a ver um com o outro. Paquerar é sentir interesse por alguém e manifestar o que está acontecendo de maneira respeitosa, correndo o risco de ouvir um "eu não" e, portanto, se colocando na posição de vulnerabilidade em que ninguém gosta de estar.

Flertar é se fragilizar; assediar é intimidar uma pessoa antes mesmo que ela possa ousar não gostar de você.

Assim sendo, esse lugar de fragilidade chamado "iniciativa do flerte ao vivaço" tem se tornando um banco frio onde ninguém quer se sentar. Chato: a internet pode parecer um cômodo mais quentinho à primeira vista, mas as chances de sair algo comovente daqui em termos de pegação são bem menores do que a gente gosta de acreditar.

Tem remédio?

Provavelmente, não. Enquanto as pessoas priorizarem a segurança de não tomarem pés na bunda (como se desse para evitar isso em alguma plataforma ou plano astral conhecidos no momento), continuaremos chupando o dedo — mas com o orgulho intacto, se é que isso pode ser uma boa notícia.

Talvez prevendo um futuro distópico onde não será possível pegar ninguém antes de preencher três vias de formulário digital de compatibilidade, a solução deve ser se agarrar com força ao bordão mais sábio de Fausto Silva, porque mais do que nunca, "Quem sabe faz ao vivo".

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.