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Luiza Sahd

Mora sozinho? Talvez você preencha a cartela do Bingo dos Solteiros

Luiza Sahd

06/09/2017 08h00

Quem poderia adivinhar que você viraria o náufrago e sua bola Wilson seria aquela planta que você mal rega? (Foto: Divulgação)

 

No bingo, assim como na vida, a gente vai acompanhando o jogo com ansiedade crescente e muita competitividade para, no final, com sorte, ganhar alguma coisa do tipo espremedor de laranjas ou despertador com rádio-relógio. Fica até difícil discordar da máxima "o importante é que emoções eu vivi".

O que a gente leva de tudo isso eu não tenho a menor ideia, mas uma das grandes aventuras é morar sozinho. Se você completar todos os itens aqui abaixo, será mais um feliz vencedor do Bingo dos Solteiros. Meus parabéns!

1. Geladeira vazia
Salvo em datas comemorativas (qualquer sexta-feira, quando seus amigos se aboletam no seu sofá para beber como vikings), sua geladeira é condenável. Se sua mãe soubesse que ali só tem ketchup, queijo ralado, manteiga, garrafas de água reutilizadas e um leite provavelmente vencido, ela desceria o cacete em você. Sorria e continue andando por aí com cara de quem se alimenta decentemente.

2. Faxina? Só quando tem visita
Outro dia, por alguma razão inexplicável, meu tênis apareceu em cima da mesa da cozinha e de lá saiu no terceiro dia, porque chegou visita em casa. Os pelos de cachorro que eu ia juntando com a mão mesmo pra jogar no lixo, tive que aspirar. A calcinha pendurada no box finalmente foi pro varal e o castelo que levei dias para erguer no escorredor de pratos foi para o armário. Por favor, visitantes: avisem com três dias de antecedência.

3. Falar com as plantas
Gente que fala com cachorro, com planta ou com minerais não é necessariamente hippie. Pode ser só alguém que mora sozinho há pouco tempo e, em determinados momentos, precisa escutar alguma voz, mesmo que seja a própria voz (dica: não seja a pessoa que decidiu não ter televisão. Você vai se arrepender).

4. Chaves de casa = amuletos sagrados
Quando você tem família ou amigos dividindo um lar contigo, sua relação com as chaves de casa é relativamente tranquila. Experimente perdê-las e não ter a quem recorrer, numa madrugada ébria, e me diga se já não é hora de inventar a fechadura com leitor de retina.

5. Manias de velho
Elas começam em qualquer idade quando você mora sozinho. Pisaram no seu tapetinho de banheiro com sapato sujo? Você quer morrer. Deixaram copo lavado com a boca para baixo na pia? Você quer morrer. Cabelo no ralo do box? Você quer matar. E por aí vai.

6. As definições de desleixo são atualizadas com sucesso
Confesse: antes de morar sozinho, você jamais imaginou que tinha potencial para ficar tão feio. Já que ninguém tá vendo, você usa roupas furadas, leva muito mais tempo para lavar essa cara remelenta, flexibiliza os horários de banho, não lembra quando foi a última vez que penteou o cabelo e tal. Seu pior pesadelo é estar sendo vigiado no esquema "Black Mirror", porque, nossa, você anda mais mal diagramado que o espantalho do Fandangos.

7. A cama serve para tudo
Menos para ser arrumada, claro. Como é que você vai arrumar a cama se você não sai dali? Comer, ver filme, trabalhar, conversar com amigos por internet, pensa aí uma coisa para que a cama não sirva em mão de quem mora sem vigilância de um adulto responsável. Agora aguenta essas migalhas aí cutucando sua bunda.

8. Uma saudade? Dividir boletos
Você pode morar sozinho há muito tempo, mas, ainda assim, você custa a acreditar que gastou tudo isso de água ou energia elétrica. Pagar a internet sozinho também dá aquela sensação de que "a felicidade só é verdadeira quando compartilhada". Boletos sempre são tristes, mas quando você mora só, são mais ainda.

9. Seus pais, seus heróis
Sei lá quem te criou. Tô dizendo pais, mas você passa a dar um valor absurdo a quem quer que tenha te feito uma sopa quando você esteve doente ou à pessoa que pendurava sua roupinha no varal (e tirava antes da chuva) durante a juventude, entre tantos outros cuidados que, nossa, que saco. Saudades.

10. Vizinhos ganham novo significado
Antes, os vizinhos eram apenas um impeditivo para que você tivesse liberdade total no aconchego do seu lar. Agora que você vive como um eremita, os vizinhos viram uma espécie de novela para te entreter. Você acompanha com curiosidade as tretas domésticas, os gostos musicais e os hábitos destes adoráveis semiconhecidos tentando adivinhar o desfecho de cada lance como se fosse aquela mítica senhora que sabe da vida de todo mundo por falta do que fazer.

11. Socializar vai ficando difícil
Você está tão habituado a seus hábitos selvagens e a pequenas liberdades como a prática de nudismo doméstico ou mijar de porta aberta que se adequar às condutas sociais aceitáveis vira uma espécie de desafio quando você sai da toca. Reclama muito da solidão, mas quando tem que ir ao banheiro para tirar meleca do nariz, se sente oprimido demais para continuar na rua.

12. Autoengano
Por falta de ter para quem mentir, você mente para si mesmo. Mente que amanhã vai acordar mais cedo, que vai se exercitar, que vai lavar a louça antes de que cheire mal, que vai tirar o lixo em horários adequados ou que vai finalmente tirar o pó dos móveis e limpar as janelas. A gente adora uma mentirinha. Tudo bem, fica só entre nós aqui.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.