Errar é humano e perdoar é divino? Há controvérsias
(Foto: iStock)
Rancor é tipo um tesouro ao contrário: apesar de ser um pequeno (ou grande) amontoado de lixo emocional, guardamos e zelamos com o mesmo cuidado que dedicaríamos a uma pepita de diamante. Por quê? Já citei isso aqui antes, mas gosto sempre de lembrar de um fragmento do Alain de Button no livro "Do amor":
"Existem poucas coisas a que os humanos se dedicam mais do que ao sofrimento."
Com isso em mente, há alguns anos, gosto de pensar que sou uma pessoa que ama perdoar. Ah, eu saio perdoando mesmo, tô nem aí. E nem é por bondade, que se eu fosse boazinha, estaria tentando mudar o mundo na sexta à noite ao invés de encher o copo de cerveja e o cinzeiro de bituca. A verdade é que perdoar só é bom porque é prático: você tira um assunto indigesto do menu do dia e vai logo fazer qualquer coisa mais aprazível do que remoer treta que não vai ter jeito de "desacontecer". Ocorrência terminada, drama encerrado, certo? Errado.
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Talvez por acúmulo de experiências repetidas (também conhecido popularmente como "envelhecer"), a gente vai cansando de perdoar quem não faz questão de receber perdão. Convenhamos: aceitar perdão também é assumir que errou e, para isso, nem todo mundo é bem disposto. É muito chato porque o coração dá aquela enferrujada, mas você sempre pode dar replay nessa reflexão do pai do Élio para lubrificar as artérias:
Há quem diga que errar é humano e perdoar é divino, mas a grande verdade é que perdoar é cômodo: você fica com a razão, o outro fica com o perdão e todo mundo sai feliz. A não ser que… o autor da cagada não faça a mínima questão de ser perdoado. Voltando ao ditado, dá para dizer que errar é humano e assumir o erro é divino. O resto é conversa fiada.
Quando puxo papo sobre afeto, pode parecer bonito, mas o afeto pode ser mais feio que o diabo quando é pisado. Prova disso são meus dois grafites favoritos em Madrid:
"Oi Bernardo, morra, por favor! <3"
"Amber, te odeio"
Duas imagens que valem por bem mais do que duas mil palavras. Imagina aí em que grau essas pessoas foram afetadas para pensar "Já sei! Vou correr o risco de ser preso só pra eternizar, numa via pública, palavras que podem deixar o Bernardo/ a Amber puto das calças". Tem que gostar demais e saber de menos o que fazer com tanto sentimento.
Os grafites são feios do ponto de vista estético, mas não dá pra dizer que esses tecos de parede não sejam mais humanos do que muita gente. Chega a me dar até pontada de inveja da coragem de quem fez, porque vontade de imitar nunca faltou por aqui.
Provavelmente, não falta a ninguém: a gente se magoa sempre e muito, mas nada é mais desgastante do que remoer a vontade de perdoar quem não se importa por ter errado. Você pode pegar toda a sua capacidade de perdão aí — essa que disseram ser divina — e enfiar onde achar mais conveniente.
Por falta de opção, tenho enfiado a minha em mim mesma. Já tentei guardar em armários, jogar no mar, mocozar embaixo do tapete… Não adianta. Perdão sem dono precisa achar um.
Pior do que a alma sebosa que sai errando pelo mundo sem se incomodar com o rastro de rancor e lixo emocional que deixa de herança para terceiros, só mesmo quem acolhe esse espólio como bem precioso. Perdoar os outros é gostosinho; duro, mesmo, é olhar no espelho e aceitar as desculpas que a gente se deve por confiar mais no Bernardo ou na Amber do que em si mesmo.
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