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Luiza Sahd

O que aconteceria se homens fizessem tarefas ‘femininas’?

Luiza Sahd

03/08/2018 05h00

Tudo bem (Foto: Istock)

Há mais ou menos um ano, eu tinha um evento chique para ir e nenhuma ideia de que horas conseguiria agendar uma manicure. Passando de salão em salão para tentar encaixe na última hora, me vi em situação de ser atendida por um… manicuro?

Adoraria dizer que a sociedade espanhola é desconstruída e que o cara mandou benzasso, mas ele me arrancou dois bifes e, no final, os cantos de minhas dez unhas estavam meio sem esmalte. Não sei por que não reclamei. Deve ter sido o estado de choque ao ver um homem com atitude bem hétero pintando unhas.

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Quando me casei, boa parte das felicitações que recebi envolvia a façanha de ter encontrado um homem que cozinhava muito bem por nós dois. Isso sempre me intrigou, porque ninguém me felicitou pela façanha de trabalhar mais de 10 horas diárias em três empregos para manter o conforto da família que estava nascendo — mesmo em um mundo no qual o dinheiro vale mais do que qualquer outro predicado.

Tenho essas pedras no bolso para atirar, mas confesso que sempre me senti mais atraída por homens "sensíveis". Eu achava que tinha gato de Freud nessa tuba. Hoje, mais madura, tô achando que é hora de parar de se fascinar tanto com homens que executam tarefas tipicamente femininas porque eu e quase todas as mulheres tiramos de letra as funções ditas masculinas. Peço que não venham me falar de construção civil, porque aí eu vou precisar evocar menstruação, gestação e parto — então não terminaremos nunca esse Super Trunfo.

Talvez por ter sido criada essencialmente por mulheres, cresci me importando demais com o valor de ser inteligente e independente para, agora, perceber que os caras só esperavam que eu fosse mais gostosa ou submissa. Como bem disse a humorista Hannah Gatsby ao ser questionada sobre o gênero com o qual se identifica, me identifico como uma pessoa cansada. Quem não está?

Os homens da minha bolha foram criados para serem o que a Revista Playboy vendia: eles querem ter posses, carros, belas mulheres e pouco mais. Agora, estão chateados por não encontrarem suas coelhinhas. Em linhas gerais, nas relações heteronormativas, ninguém está muito contente. Será que não seria o caso de dividir melhor os papéis?

Se a gente fizer uma breve viagem no tempo, veremos que, até 100 anos atrás, uma mulher bem-sucedida era aquela casada, com 18 filhos, sem vida para além do ambiente doméstico. Quando o sistema econômico demandou que essas mulheres virassem força de trabalho e mercado consumidor, a destruição daquilo o que se chamava lar já estava anunciada.

O que temos como resultado, hoje, são mulheres com as mesmas responsabilidades dos homens. Nada seria mais esperado do que ver essa gente cobrando os mesmos direitos.

Passamos o último século aprendendo a trabalhar como os homens, mas sabe quem não aproveitou esse tempo para aprender algo sobre o mundo feminino? Isso mesmo.

Agora, temos mulheres ultra qualificadas no mercado, competindo com os pares do sexo oposto… e caras que teimam em não saber como cuidar de si próprios. Eles sempre puderam "comprar" esse "serviço", seja casando ou pagando mulheres para organizarem as vidas domésticas deles como faxineiras.

Sabe o que aconteceria se todos os caras hábeis em fazer sucesso e dinheiro aprendessem as habilidades domésticas como a gente aprendeu as funções mais duras? Teríamos pessoas independentes se relacionando com pessoas independentes. Menos chororô. Mais conversas com substância. Quem sabe, a paz entre os povos. A pessoa que não precisa sustentar toda uma casa sozinha (seja na limpeza ou no orçamento) não quer guerra com ninguém.

Gosto muito de escutar em que os caras acham que as moças poderiam melhorar, mas tá muito difícil respeitar interlocutor que não sabe fazer o básico pela própria sobrevivência sozinho. Enquanto mulheres, ainda estamos comendo poeira no mercado de trabalho, mas, pelo andar da carruagem, a gente já tem um exemplo do que pode acontecer nas próximas décadas no quesito "comer poeira".

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.