Fugir ou bater: o que você tem feito com seus medos?
Meu pai tem uma ótima piadinha péssima sobre a possibilidade de ter a casa invadida por assaltantes: "mato ou morro.. Corro pro mato ou pro morro!". Como todo animal acuado, a gente tem poucas opções diante do medo: correr ou atacar. Alguns, bem espertos, se fingem de mortos. De todas as formas, o medo é uma das emoções que mais nos animaliza.
Desde 2001, minha vida é uma contínua administração de medos. Foi naquele ano, aos 16 de idade, que fui diagnosticada com síndrome do pânico (como contei melhor neste post). Talvez seja esse o motivo de eu ter ficado íntima dos meus medos a ponto de me entender com eles — e de ter desenvolvido uma espécie de visão raio-X para enxergar os medos que as pessoas sentem e tentam disfarçar.
Ontem, tive bastante tempo para pensar sobre medos. Umas seis horas, para ser precisa. Odeio aviões porque não se pode fugir pro mato nem pro morro… e nem correr, muito menos atacar. Me fiz de morta de Salvador a Dakar, enquanto uma ventania no Atlântico chacoalhava minhas habilidades de gerenciar pavor. Lembrei da véspera, quando conheci o Ailton.
Horas antes de embarcar, eu estava em um churrasco. Um vizinho chegou já mostrando a que veio: criticando ideologia de gênero, dizendo que tudo agora é mimimi, que não se pode mais paquerar porque "qualquer coisa é assédio". A sensação era a de que o Ailton veio ao mundo para discordar de mim.
Tentando não correr, morder ou me fazer de morta, embarquei em debates exaustivos sobre todos os assuntos supracitados. Concordando em discordar aqui e ali, não sei exatamente de que maneira acabamos chegando à mesma conclusão: as pessoas brigam tanto e sempre porque têm horror ao que não estão acostumadas. Os costumes estão mudando sem parar e a gente pode fazer sabe o que para impedir? Absolutamente nada.
Aumentando e abaixando o tom de voz durante horas, acredito de coração que eu e Ailton nos ajudamos bastante. Tenho certeza de que nos sentimos acuados e soubemos manejar as divergências com alguma elegância — e sem auxílio de focinheira. Naquele churrasco, vivenciamos o Fla-Flu ideológico em uma casca de noz pra contar que tá todo mundo se odiando por aí, basicamente, graças aos próprios medos.
Medo de perder o que conquistamos, medo de não se adequar ao novo, medo de pensar errado, medo de fazer no Brasil o que países "avançados" fazem e não funcionar (melhor ficar parado no tempo, então?), medo de apanhar na rua por causa de orientação sexual, medo de ser ridículo, de ser feio, de ser o que somos, bota aí o seu medo nessa lista.
O medo é um dos poucos sentimentos que não nos trazem vantagens para além da sobrevivência. Ele é contraproducente quando te paralisa ou te torna agressivo, mas sabe o que acontece quando a gente reconhece e assume esse fenômeno tão animalizante? A gente se humaniza.
Se todo mundo conseguisse falar "olha, isso aí é novo pra mim e tá me assustando", era capaz de a gente não ter mais metade das tretas que vivemos todos os dias. Apostar na valentia de fachada, paradoxalmente, só tem servido para nos tornar praticantes de covardias. Ainda bem que o Ailton estava lá para me lembrar disso.
O que você tem feito com os seus medos?
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.