Como um pronto-socorro ginecológico me ensinou sobre ser mulher
Há um par de meses, tive uma emergência ginecológica que nem sabia que poderia existir, como quase tudo o que envolve vaginas e seus mistérios. Quando digo mistérios, não é que a ciência não tenha ferramentas suficientes para descobri-los, mas algo me diz que a saúde da mulher não seja exatamente uma prioridade da comunidade científica.
Tanto é assim que esse pessoal só bateu o martelo sobre a função do clitóris em agosto do ano passado. Além disso, não tivemos a mesma sorte que os homens com seus exames de próstata — que em boa parte dos casos já podem ser feitos apenas com coleta de sangue, substituindo o tão temido toque retal. Enquanto isso, seguimos sendo penetradas por espéculos de maneira bem incômoda a cada passagem pelo gineco.
Entre outras tantas coisas ruins que podem acontecer a uma vagina (e ninguém fala porque só o assunto "vagina" já é constrangedor), fui contemplada com uma inflamação glandular que demandou uma maratona de cirurgias e visitas a um pronto-socorro ginecológico. Ali, o "ser mulher", em sua plenitude, se descortinou para mim.
Na sala de espera, tantas vezes, cruzei com mulheres barrigudas em todos os estágios de gestação. Algumas, em êxtase, alisavam a pança e desfilavam aquele grau de beleza que só os hormônios da gravidez podem proporcionar. Não há cosmético que fabrique isso. Outras estavam em sofrimento tão profundo que mexeram com o que devo ter de mais humano: naquele hospital, senti vontade genuína de trocar de corpo com uma desconhecida, mesmo que fosse por alguns milésimos de segundo.
É que parece impossível que um corpo meramente humano suporte certas dores sem revezar com outro, como foi o caso dessa moça de uns vinte e poucos anos que era amparada pelo marido enquanto estava sob suspeita de aborto espontâneo. A barriguinha era visível, e ela segurava o ventre como se quisesse ou pudesse, com as mãos, reter o filho no útero. O marido seguia repetindo que ia ficar tudo bem e, por contraste, dava para entender que um homem não sabe sentir algumas coisas. O que mais me machucou como mulher e observadora foi que, provavelmente, não ia ficar tudo bem.
Uma anestesia que não funciona
Enquanto me preparavam para uma anestesia geral (meu pior medo, e olha que tenho muitos), eu ouvia gritos aterradores de parturientes. Tentei comparar desesperos para me distrair, o que é obviamente uma missão impossível. Antes, também espalhei gritos pelo hospital quando fui submetida ao procedimento mais doloroso da minha vida com uma analgesia que, olha só!, não funciona na vaginas. Obrigada, cientistas. Vocês são show.
Quando chorei no pronto-socorro ginecológico — e não foi pouco —, mais de um enfermeiro me abraçou. Uma, da minha idade, chegou a agachar, segurar minhas duas mãos e, como se eu fosse mesmo a criança que estava sendo, tratou de olhar bem dentro dos meus olhos e prometer que eles acabariam com o meu sofrimento.
Não costumo ver enfermeiros abraçando pessoas em prontos-socorros para o público geral. Tem que ter alguma coisa em um ambiente tão feminino que permita o afeto entre estranhos, a compaixão e todas essas coisas esquecidas em um mundo perigoso, mas sobretudo em um ambiente onde os funcionários lidam com vida e morte como você lida com a planilha que tem que estar na mesa do chefe amanhã.
Reverência ao feminino
Continuo frequentando o pronto-socorro ginecológico para acompanhamento e trazendo para casa sempre mais perguntas do que respostas, porque além de a medicina não ser uma ciência exata, vaginas são tratadas como feridas abertas incuráveis, "são assim mesmo".
Naquele ambiente impregnado de dor e segredos terríveis, pelo menos, estamos entre iguais. E ali, entre mulheres, feridas e homens mais deslocados do que a Rainha Elizabeth estaria em um baile funk, ainda acabo desconfiando que o mundo seria muito mais acolhedor se soubéssemos reverenciar, ao menos um poquinho, o feminino.
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