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Por que será que um ciclista incomoda tanta gente?

Luiza Sahd

27/07/2018 05h00

Se você é ciclista, provavelmente as pessoas te veem como na ilustração. Isso, uma coisa meio Romero Britto mesmo (Foto: iStock)

Há mais de dois anos, pedalo por Madrid. Quando cheguei, descobri as bicicletas motorizadas disponíveis em pontos variados do centro por € 1/hora e fiquei felicíssima. A perspectiva era excelente: nada de esforço para subir ladeiras (aqui não tem), todas as avenidas têm pelo menos uma faixa prioritária para ciclistas, quase não chove… Mas, como bem observou Sartre, o inferno são os outros.

Quando pedalamos em uma cidade segura e cheia de ciclofaixas, sabe o que pode dar errado? Basicamente, tudo.

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Madrid é perfeita para andar de bicicleta inclusive por ser plana. De todas as formas, só conte isso a um motorista madrilenho se quiser vê-lo enrubescer de ódio. Testei essa semana com um amigo de amigo e funciona mesmo. A conversa foi mais ou menos assim:

– Você sempre sai de bicicleta?

– Sim.

– Madrid não é segura para isso.

– Engraçado. Só não é segura quando os carros te fecham de propósito, por irritação. Acontece com certa frequência mesmo.

– Eles te fecham porque têm mais o que fazer. Lugar de pedalar é na calçada.

– Pedalar na calçada é proibido. Por isso é que você está vendo esses desenhos de bicicleta na pista, ali, olha.

– Essas faixas só pioram o trânsito.

– O que piora o trânsito são carros com poucas pessoas.

– São os ciclistas. Vocês obrigam os carros a andarem mais devagar.

– E o que te faz achar que tem mais direito ao espaço e ao tempo do que outros cidadãos?

É impressionante, mas quando uma pessoa reclama que alguém está fazendo com que ela se atrase, nunca supõe que pode estar acelerando a outra — quando ambos deveriam poder decidir sobre o próprio ritmo. Já fiz essa pergunta a condutores de São Paulo e a resposta é sempre a mesma: a cidade é caótica, mas vamos continuar correndo na velocidade dela, cada vez mais depressa, até infartar ou endoidar.

Experimente dar uma voltinha de bicicleta em qualquer metrópole e note que ciclistas conseguem ser odiados tanto pelos motoristas de outros veículos quanto pelos pedestres. Sempre tive a sensação de que é porque a bicicleta parece mesmo um brinquedo e o pessoal fica achando que você é um vagabundo se divertindo em meio ao caos — não alguém com direito de ir e vir, como o resto da galera.

Existem apenas três coisas que transformam um ciclista respeitador das leis de trânsito em sujeito inconveniente:

1- Ele parece estar se divertindo (e está mesmo, mas também está se dirigindo para algum compromisso, como você);

2- Ele se desloca em uma velocidade diferente da sua;

3- Ele te obriga a dirigir com responsabilidade por si e pelos demais cidadãos, como pedem as leis de trânsito. Mas quem é que curte ser responsável pelos próprios atos?

Sei que muitos ciclistas desobedecem normas estabelecidas e isso é inadmissível. Mas sabe quem também faz isso o tempo todo e ninguém se importa? Motoristas. Nunca vi um motorista paulistano respeitando faixas de pedestres, sem exceção, como pede a lei. A diferença entre quem dirige carros e bikes é que não estamos montados em máquinas com potencial para moer gente. Assim sendo, motoristas têm mais poderes e isso deveria vir acompanhado por mais responsabilidade, se o mundo fosse justo.

Durante quase um ano, pedalei pela Zona Oeste de São Paulo. Os trajetos não eram longos, mas suficientes para testar a saúde do meu coração diariamente. Por causa do exercício? Não. Era susto atrás de susto. Gente dando "totó" na minha bike com o carro, gente passando a mão na minha bunda, gente mandando pedalar pelo canto da pista — ciclista, JAMAIS faça isso! Pedale bem no centro da faixa, como se você fosse invisível. Todos os carros precisam te ver. Gostando ou não, é mais seguro. Fora isso, é importante não ter medo de estar onde se está porque medo é diferente de cuidado.

A falta de cuidado com os outros é o que tem feito a gente se relacionar tão mal, com ou sem bicicleta, na rua ou em casa. O problema do trânsito em grandes cidades não é o ciclista: é a frustração que muitos sentem diante de uma rotina massacrante.

Descontar sua raiva no outro é a consequência, não a causa de tudo isso. O problema do trânsito é o mesmíssimo problema de quase tudo o que vai mal no mundo.

 

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Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.