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Em Londres, tome cuidado para não ser atropelado

Luiza Sahd

19/06/2018 04h01

"Olhe para a direita" (Imagem: iStock)

Em 2011, estive em Londres pela primeira vez. Na época, percebi que estava realmente apaixonada pelo namorado que me acompanhava quando faltaram dois dedos de distância para um carro atropelá-lo no Soho. A gente nunca sabe muito bem como essas coisas acontecem, mas lembro que, na ocasião, a culpa foi do pedestre — que olhou para o lado errado antes de cruzar a rua. Naquele momento, também faltaram dois dedos pro meu coração parar de bater.

Sete anos se passaram e voltei à capital inglesa. Desta vez sozinha, mas um padrão se repetiu: incontáveis vezes, me vi tentando suicídio acidental por não prestar atenção suficiente aos avisos pintados no asfalto dizendo "olhe para a direita" ou "olhe para a esquerda". O problema da mão inglesa é que o cérebro de todo mundo que não seja local dá uma bugada. Veículos e ciclistas chegam pelo lado oposto ao que estamos acostumados o tempo todo — e só então lembramos daquelas sábias palavras "antes de atravessar, olhe para os dois lados".

Curiosamente, nessa segunda visita a Londres, me senti atropelada também em outros sentidos além do literal. Taí uma ilha de oportunidades boiando no Mar do Norte: oportunidade de interagir com pessoas de todas as etnias, oportunidade de ver manifestações artísticas de todos os tipos, de consumir cultura, de comer coisas doidas, de ser completamente anônimo na multidão, de se sentir seguro em meio ao caos. Isso são apenas algumas que me chamaram a atenção, mas tenho certeza de que Londres reserva todos os tipos de oportunidades, seja lá o que a pessoa esteja buscando.

A cada duas quadras de caminhada por Londres, eu sentia uma espécie de angústia por não poder aproveitar tudo o que a cidade oferece. Batia o olho em cartaz de exposição, lamentava por estar atrasada, tentava não esbarrar em ninguém, virava o rosto, via mais duas livrarias em que adoraria perder duas horas folheando livros, cortava caminho por uma rua e queria poder permanecer escutando o artista de rua africano que cantava ópera, tentava não ser atropelada novamente, tentava fazer o que era possível com a minha breve estadia por lá sem sair frustrada por não conhecer as melhores coisas da cidade.

Essa sensação durou cinco dias e, lá pelo último, me senti emocionalmente esgotada. Talvez os estímulos de cores e luzes me afetem de maneira desproporcional, talvez o volume das sirenes que passavam nem fossem assim tão mais altos do que os das nossas, talvez eu preste atenção demais no semblante das pessoas e, muito provavelmente, talvez meu problema real seja a falta de competência para lidar com todas essas informações ao mesmo tempo. Em Londres, tudo é demais. Para bem e para mal.

Conheci pessoas legais demais, vi bairros modernos demais, monumentos antigos demais e, finalmente, entendi o real significado daquela palavra deles, "overwhelming" (esmagador)

Outra possibilidade é que eu seja jeca demais, mas acredito realmente que Londres seja um reflexo e um spoiler do que pode ser o futuro da sociedade ocidental: muita vontade de viver experiências novas e quase nada que nos ajude a realmente desfrutá-las com a calma que mereceríamos.

Pensei no tanto de cantores e bandas londrinos que amo, pensei no Shakespeare, no Mr. Bean, nas Spice Girls, no Darwin, no Hawking, nos 101 Dálmatas, na Agatha Christie e em tudo o que a Inglaterra me deu antes mesmo de pisar lá para ver qualquer coisa com os próprios olhos.

Escapei dos carros todos, mas não saí de lá animicamente ilesa. Cheguei à conclusão de que envelhecer deve ter a ver com isso aí de, cada vez mais, precisar de cada vez menos para viver bem. Londres é a antítese dessa ideia.

Odiei ficar desesperada para receber tudo o que a cidade estava entregando e, por isso mesmo, espero voltar logo. Morrendo de raiva e de curiosidade. Criticando, amando e suspeitando ter encontrado a raiz do humor esquisito do pessoal lá.

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Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.