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Amizade que termina por causa de política era amizade mesmo?

Luiza Sahd

10/04/2018 05h00

Foto: Reprodução/ Mrzyk & Moriceau

O ditado "política não se discute" deve ser um dos principais responsáveis por a gente estar tão próximo do centro da Terra quando o assunto é buraco. Talvez o problema seja o que a gente acabou chamando de "discutir política".

Se a primeira imagem que vem à sua cabeça enquanto lê isso é baixaria entre pessoas de opiniões divergentes, talvez a solução seja discutir mais coisas fora a prisão do Lula ou a impunidade de Aécio Neves com as pessoas próximas. E vai ser fácil, porque desde quando nos organizamos em sociedades e desencanamos de andar por aí caçando a própria comida, todos os nossos gestos acabam sendo… gestos políticos.

Quando você escolhe ir para o trabalho de carro, bicicleta ou transporte público, não importando a sua preferência, está fazendo um gesto político. Quando decide o nome do seu filho, o time de futebol, a cor da parede da casa, o canal onde vai assistir o telejornal ou o tipo de comida que vai comprar, você está incansavelmente mexendo com política.

Já aconteceu com todo mundo: seu amigo manifesta uma opinião sobre partidos ou políticas públicas na internet e você entra em uma espiral de choque, decepção, repugnância e tristeza por pensar exatamente o oposto do que ele defende com tanta paixão. Sabe por quê? Você não está sabendo observar e escutar esse amigo. Todos os dias, ele te dá pistas concretas de que ele é tudo isso aí que você leu no Face dele mesmo.

Talvez você não tenha reparado antes nos tipos de piadas que ele prefere, na forma como ele lida com a família, na religião ou no ateísmo dele, mas estava lá o tempo todo. Em uma situação assim, ninguém foi enganado. Só faltou conversa. Falta o tempo todo.

Discutir política não é falar sobre o seu candidato a cada dois anos, quando convocam eleições. Discutir política é perguntar pro seu camarada por que ele escolheu a vida que escolheu, como se cercou das pessoas que se cercou ou o que ele acha daquela cantora que nasceu homem e prefere ser tratada com pronomes femininos. Pergunta direito por que ele acha que o seu corte de cabelo ficou uma merda ou qual é a opinião dele sobre adultério. Conta você, melhor, sobre suas escolhas também.

Com base nas respostas, você pode acabar se surpreendendo a respeito da quantidade de amizades que deseja realmente manter. Sendo otimista, também pode acabar encontrando outras onde achava que não existiam. O fato é que suas amizades também são gestos políticos — e você pode acabar se dando conta disso em momentos inoportunos. Faz parte.

Discutir política é a única coisa que falta para a gente finalmente se livrar do fardo que é discutir política nos moldes a que estamos acostumados.

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Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.