Teste da faixa de pedestres: como você lida com a frustração?
Luiza Sahd
22/02/2018 05h00
A coisa mais jeca que pode acontecer quando a gente visita o Hemisfério Norte é ficar fascinado com o respeito à faixa de pedestres, apesar de serem só faixas — e pessoas que param o carro para não atropelar outras pessoas. Mas como comove!
Jeca de carteirinha, eu gostava de testar todas as faixas em cada visita a uma cidade nova. Até hoje, nunca aprendi a ser respeitada como pedestre sem sentir uma leve palpitação enquanto cruzo a faixa tentando acelerar o passo para não incomodar os motoristas.
Meu deslumbramento com as faixas de pedestres deve vir do fato de que passei boa parte da adolescência em Alphaville, na Grande São Paulo (onde a proposta arquitetônica é inspirada em cidades norte-americanas). Nos EUA, a ideia das faixas funcionou incrivelmente; já em Alphaville, eu só queria ter uma bazuca na mochila para andar a pé.
Se você não for o Rambo ou motorista de veículo motorizado em Alphaville, é sempre bom programar os deslocamentos com tempo extra de morte lenta tentando atravessar as ruas… ou deixar tudo preparado para o velório caso prefira o óbito rápido de tentar usar a faixa para o que ela foi concebida. É intrigante como as pessoas adoram a civilização sempre e quando não precisam fazer nada para conquistá-la e mantê-la.
Até hoje, tenho restrições com carros. Prefiro não estar neles (e muito menos dirigir), mas acabei virando ciclista e parece que o jogo virou. Precisei lidar com as faixas de pedestres da perspectiva do canalha — e não mais da vítima. No começo, me peguei aproveitando o pouco espaço que a bicicleta ocupa para simplesmente desviar dos pedestres enquanto seguia meu caminho. Um dia, uma senhora muito velha se assustou e percebi o que seis anos de terapia ainda não tinham esclarecido suficientemente: lido mal com frustrações. Mesmo as minúsculas.
Parar em uma faixa de segurança não é nada muito além de um pequeno inconveniente quando você quer chegar a alguma parte — de preferência, o mais rápido possível. Como um contratempo tão pequeno incomoda tanta gente?
Passei a fazer o pequeno exercício da frustração esperando cada pessoa atravessar na minha frente, mesmo enxergando os vãos por onde a bicicleta passaria com folga e sem oferecer riscos a ninguém. Eu gostaria de ter alguma parábola bonita para contar sobre isso, mas não tenho. A vida é isso aí mesmo, um grande compêndio de pequenas frustrações pessoais necessárias para garantir um relativo bem-estar a todo mundo. Quase nunca funciona como esperávamos, mas tentar não ser escroto nunca matou ninguém.
Quando fiquei atordoada com a questão, fui dar uma conferida nas nossas leis de trânsito. Não parar para a travessia de pedestres é uma infração considerada gravíssima, com multa e penalização de 7 pontos na CNH; ameaçar um pedestre (sabe, quando você vai atravessar e o motorista xinga?) pode provocar a suspensão da habilitação dele. De todas as formas, nunca vi nem comi, eu só ouço falar.
Deixo aqui, então, duas sugestões. A primeira é obviamente lançar mão dessas leis quando você for desrespeitado tentando simplesmente atravessar uma rua. A segunda e mais importante é pensar sobre como você lida com a sua frustração sempre que estiver tomando atitudes que podem vir a esmagar alguém, real ou simbolicamente.
Sobre a autora
Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.
Sobre o blog
Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.