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Um apelo: deixem o Carnaval em paz!

Luiza Sahd

08/02/2018 05h00

Problematizar a problematização do glitter não fazia parte dos planos de Carnaval, mas vamos lá. (Foto: Reprodução/Facebook)

 

Além de bonito, o Brasil é chocante por natureza. No último final de semana, durante o pré-Carnaval em São Paulo, três jovens foram assassinados. Dois deles, em um tiroteio depois de fazer xixi em um posto de gasolina; o outro encostou em uma fiação malfeita e foi eletrocutado — o que não deixa de ser um assassinato por negligência. Pensar que poderia ser a gente ou gente que a gente ama morrendo de forma tão estúpida é aterrorizante. Outro tipo de pensamento também é: o de que o Carnaval causou tudo isso. Depois do Carnaval, nada disso acaba.

Ontem, li um comentário de um colega dizendo que, em um país civilizado, a festa acabaria depois de mortes assim. Sou obrigada a concordar parcialmente: em um país civilizado, a festa acabaria mesmo… Mas só porque a parte do "civilizado" evitaria esse tipo de incidente em qualquer época do ano. O nosso problema real é o fato de que mortes absurdas acontecem aos montes, diariamente, inclusive no Carnaval. Inclusive mortes de pessoas que não são brancas nem privilegiadas — motivo pelo qual dificilmente elas ganham manchetes, mas não cabe a nós o papel de sommelier de tragédia. Todas são absolutamente lamentáveis.

Nos últimos cinco anos, o Carnaval paulistano ganhou corpo e massa. Passamos de "túmulo do samba" a destino não-furado de folia — e parece que um pessoal ficou cabreiro com isso. Nas últimas semanas, a festa tem sido problematizada de todos os lados: o perigo dos furtos e assaltos assusta como se isso não fizesse parte da nossa rotina e até o glitter virou inimigo público. O glitter! Como se a contaminação causada por glitter na rede de esgotos fosse comparável a ter dois rios completamente podres cortando a cidade de São Paulo, entre outras milhares de atrocidades que não têm sido dignas de textão por aí.

Pessoalmente, acho que militar por um mundo melhor (ou menos desgraçado) deveria ser uma obrigação de todos. Nesse caso, seria mais eficiente que abraçássemos causas realmente urgentes. Não nos faltam opções nesse sentido e, feliz ou infelizmente, tirar o glitter ou o Carnaval do cenário não resolveria rigorosamente nada.

Se o Carnaval é festa pra inglês ver, essa classe de problematização gourmet não é muito diferente, não. O brasileiro médio rebola o ano inteiro, figurativamente, por péssimos motivos. E se a gente ficasse em paz com quem tá rebolando literalmente, uma vez ao ano, por motivo de diversão?

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Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.