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Rodízio de comida deveria ser crime

Luiza Sahd

29/01/2018 05h00

Parcimônia com comida: o desafio de todos nós. (Foto: Reprodução/Twitter)

 

Antes de mais nada, preciso assumir que tenho sonhado com churrascarias. É uma espécie de sonho erótico recorrente, com a diferença de que o clímax é quando o garçom chega com o espeto de cupim; acordo sempre na hora de provar a carne.

Na última vez em que estive (fisicamente) em um rodízio, há dois anos, cheguei com a intenção clássica de "dar prejuízo". Como também acontece com todo mundo, obviamente quem tomou o prejuízo fui eu. Deve ser por isso que o modelo de negócios dos caras funciona, né?

Mas não deveria. Sério. Se a gente pensar por cinco minutinhos com alguma seriedade sobre o conceito "rodízio de comida", certo mesmo era chorar:

– Começa com você indo a um lugar em que a comida nunca termina (legal!);

– Mas custa bem caro (chato);

– Você se sente na obrigação de fazer esse gasto valer a pena;

– Como? Usando o seu próprio estômago e demais órgãos do aparato digestivo;

– Sendo que tem (muita) gente no mundo passando (muita) fome por aí;

– E que a pecuária não é lá uma atividade muito amiga do planeta;

Evitando tirar as mãos do garfo ou da faca para colocá-las na consciência, em algum momento do rodízio, você passa inclusive a largar as partes da comida de que gosta menos no prato. Como dizia a vó, "barriga cheia, goiaba tem bicho";

Seu corpo começa a dar sinais de que a brincadeira tá indo meio mal, mas você sente que pode ir ainda mais longe;

E não é que vai mesmo?!

Já com algum nível de confusão mental, você sai do restaurante, vai para casa e pode ser que não durma por motivos de congestão (história baseada em fatos reais);

Depois que toda essa saciedade passa, você se dá conta de que o seu estômago virou um recipiente ligeiramente maior, tipo uma mochila de 50 litros.

Uma característica bem peculiar das churrascarias brasileiras é que elas são muito mais brutais do que os restaurantes all you can eat no exterior. No all you can eat, você vai lá e escolhe o que vai colocar no prato (o que nos obriga minimamente a alguma reflexão sobre o que pegar).

O problema do rodízio é que, assim como na vida, ficamos sem saber quando será a próxima boa oportunidade e, desesperados, tentamos abraçar todas. A angústia de ver o garçom indo embora com o espeto de coraçãozinho porque seu prato estava cheio faz com que o comensal tente abrir mais espaço no prato CUSTE O QUE CUSTAR. Geralmente, custa muita coisa, mas isso aí a gente vê depois.

Além de saboroso, o rodízio tipicamente brasileiro tem esses elementos de gamificação que viciam tal qual acontece com os bingos. É com muita dor no coração — por adorar tanto os jogos de azar quanto o ato de comer inconsequentemente — que defendo a regulamentação de ambas atividades… pelo nosso próprio bem.

Paralelamente, continuarei sonhando com o rodízio e torcendo para acordar só depois do momento em que faço o esforço heroico para engolir a última bananinha à milanesa antes de abandonar a mesa, amparada pelos garçons.

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Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.