Internet: um tribunal cruel da cirurgia plástica
Luiza Sahd
27/12/2017 08h00
Um aspecto intrigante da indústria de fofoca são as clássicas manchetes "Celebridade Tal surge irreconhecível em cerimônia de não-sei-o-que-lá". Nada contra fofoqueiros (inclusive sou, eventualmente), mas a partir daí, todo mundo se sente no direito de opinar impiedosamente sobre a aparência de quem andou incomodado com a própria aparência.
A pessoa que faz plástica passa a ser tratada, então, como uma espécie de farsante. Foi assim com a Renée Zellweger, com a Catherine Zeta-Jones, com o estrabismo do PC Siqueira e vai continuar sendo até o pessoal largar mão de ser cruel ("You may say I'm a dreamer/ But I'm not the only one", diria John Lennon se vivo estivesse).
Pra começo de conversa, agradável mesmo seria um mundo em que ninguém fosse julgado pela aparência. Usando a metodologia do chute aqui, nesse caso, estima-se que 100% das plásticas de motivação estritamente estética poderiam ser evitadas. A gente sabe que não é o caso, então por que a histeria com essas intervenções?
Partindo da lógica de que quem faz uma plástica está reforçando o culto à perfeição inatingível, todo mundo poderia ser contra elas. Acontece que a gente também faz inúmeros esforços, todos os dias, para chegar nos mesmos resultados.
Se você usa maquiagem, cremes no corpo, faz depilação, vai à academia, corta ou tinge o cabelo, compra roupas novas… acaba sendo conivente com a mesma lógica que é condenada na Anitta ("ela mostrou celulite no videoclipe mas fez um monte de plásticas", dizem os haters).
Partindo da obviedade de que uma plástica não é o mesmo que passar um creme anti-idade ou malhar a vera, temos dados realmente assustadores: a Sociedade Internacional de Cirurgia plástica revela que o Brasil é recordista mundial de cirurgias íntimas para corrigir "imperfeições" na vagina; boa parte das pacientes são virgens e mais de um terço delas o fez apenas pela aparência da pepeka.
Acontece que, cobrando quem faz cirurgia por não ter bancado a aparência natural, o que estamos criando, na prática, é uma espiral de loucura. As pessoas que vivem perturbadas com a própria aparência têm razão em sentir isso, no fim das contas. Quem não tem?
Em 2014, fiz uma plástica estética de redução de mamas. Não fui julgada por quase ninguém porque infelizmente não podemos andar de topless fora de casa (seria muito agradável no verão, se não fosse aquele probleminha lá que homem pode circular sem camisa e mulher etc). A coisa mais triste em todo o processo da cirurgia foi pensar que esperei 30 anos para fazê-la, sendo que eu tinha uma assimetria notável entre as tetas e qualquer atividade que pudesse evidenciá-la me causava angústia, desde usar um biquíni ou me trocar em vestiários até transar com alguém pela primeira vez.
Em uma ou outra ocasião, respondi piadas infelizes sobre o assunto, no estilo "você reduziu o peito porque não gostava do seu marido?", e por aí vai. Sempre lembrando que quem carregava o peso (real e figurativo) dos melões era eu.
E assim como eu ou você, cada pessoa carrega complexos, ambições e até tosqueiras próprias. Na hora de lidar com eles, nenhuma voz aparece para alentar; não é sintomático que apareçam mil vozes para criticar quando a pessoa resolve fazer no corpo o que a sociedade tanto demanda em termos de perfeição?
Talvez o nosso inimigo não seja quem faz plásticas, mas quem reforça a necessidade delas. E talvez, desgraçadamente, façamos parte desse batalhão de vozes cruéis.
Felizmente, nunca é tarde para ficar em silêncio quando não podemos dizer nada construtivo. E nunca é tarde para respeitar o direito pleno de cada pessoa sobre como viver no próprio corpo.
Sobre a autora
Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.
Sobre o blog
Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.