Mantenha a calma, mas você deve ter um demônio de estimação
Luiza Sahd
21/12/2017 08h00
Em 2014, a humorista americana Amy Poehler lançou um livro chamado "Yes Please" e falaram tão bem dele que fui ansiosa e nem esperei sair a tradução em português para meter-lhe o dedo no botãozinho de comprar.
Como acontece em boa parte das histórias que começam com atitudes precipitadas, tive preguiça de ler em inglês e o livro ficou pela metade (ou quase isso) até essa semana, quando resolvi revisitar leituras inacabadas. Uns poderiam chamar de sorte o que vou chamar de bênção.
O livro da Amy é basicamente um misto de autobiografia com conselhos para a vida. Poderia ser um projeto ambicioso para uma pessoa de quarenta e poucos anos se não fosse genial, porque a Amy é genial e ela pode. Mas vamos ao demônio, que é o que pode ter te assustado no título aqui.
Em "Yes Please", Amy reconhece que é uma mulher norte-americana, branca e privilegiada. Apesar disso, nunca se destacou no meio onde cresceu por ser atraente. Ela foi sempre outras coisas (engraçada, inteligente, carismática), e, mesmo assim, acabou chegando ao horário nobre da TV, à Hollywood, sabe Deus até onde ela ainda chega nessa vida. Mas Amy tem um demônio de estimação que apareceu no banheiro dela durante a puberdade, quando começou a se interessar pelos garotos.
O demônio surgia no espelho e dizia que ela tinha um olhar de louca, pouco cabelo, que ela era baixinha demais, que tinha pernas esquisitas. Você deve conhecer um demônio assim e pode ser que esse encosto esteja do seu lado desde a infância. O meu chegou lá pelos 9 anos de idade, quando alguém contou que eu estava obesa.
No livro, a autora explica que o demônio é malandro e, como todo malandro, ele não para; no máximo, dá um tempo. Durante os períodos em que ela estava bem na vida, amando e sendo amada, ela acreditava mesmo que ele tinha se mandado. Mas sabe o que acontecia quando ela tomava um pé na bunda, ficava desempregada ou quando o corpo demorava a voltar ao normal depois de uma gestação? Claro, ele voltava com mais potência do que nunca!
Por aqui, o demônio é igualzinho e o seu deve ser também, porque os demônios das pessoas parecem ter saído de uma linha de montagem. O meu andou dizendo as maiores barbaridades desde que vim morar longe e fiquei solteira. Mas fui abençoada com as palavras de Amy e espero que o exorcismo dos parágrafos seguintes possam servir para mais pessoas. Amém?
"Felizmente, ao envelhecer, você começa a aprender a conviver com o seu demônio. É difícil no início. Algumas pessoas dão tanto espaço a ele que não sobra brecha na cabeça ou na cama para o amor. Você alimenta o seu demônio e ele fica muito forte, então permanece em relacionamentos abusivos ou deixa seu belo corpo morrendo de fome.
Mas conforme você envelhece, pode ficar um pouco entediado com o demônio e começa a tratá-lo como um primo incômodo e irritante. Um dia ele chega enquanto você está se vestindo para uma festa e sussurra: 'Você não é bonito', e você fala: 'Eu sei, eu sei, agora me deixa encontrar meus brincos'. Às vezes, você diz: 'Demônio, prometo que vou deixar você me lembrar da minha feiura, mas agora estou fazendo um sexo gostoso, então a gente se fala mais tarde'.
Às vezes, uso uma abordagem mais direta. Quando o demônio começa a trancar demais meu caminho, viro e digo: 'Ei, baixa a bola! A Amy é minha amiga. Não fale dela desse jeito!'
Resguardar a nós mesmos da mesma forma que faríamos com nossos melhores amigos é uma coisa difícil, mas satisfatória de fazer. Às vezes funciona. Até os demônios precisam dormir."
Meu demônio que se cuide. Não vou deixar barato no próximo insulto e espero que você também não.
Sobre a autora
Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.
Sobre o blog
Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.