A hashtag #DateRuim prova que o inferno são os outros sim — mas nós também
Luiza Sahd
07/11/2017 08h00
Na última segunda-feira, #DateRuim foi o assunto mais comentado do Twitter Brasil por algumas horas. Relatos cabulosos de encontros amorosos malsucedidos fizeram a gente colocar a vida em perspectiva e ter a certeza do óbvio: no mundo, sempre alguém que já se lascou mais do que nós.
Engrossando o coro dos companheiros, se tem uma coisa na qual sou pós-graduada, essa coisa é date ruim.
Teve o cara que confessou, depois de me beijar, que no início não sabia se eu estava flertando ou querendo assaltá-lo; teve a vez em que eu literalmente dormi no meio de uma festa miada, fui acordada por um homem lindo e tomei um tombo assim que ele me convidou para dar uma volta (importante: eu estava sóbria); teve o rapaz que eu achei que tava me paquerando até ele perguntar "você gosta de tal droga? Porque eu tô vendendo uma ótima"; teve o que começou a fazer beatbox no meio do encontro e me causou um ataque de riso que inviabilizou qualquer tentativa posterior de diálogo; teve o campeão que desmaiou durante o primeiro beijo. Com esse aí eu passei um tempo, porque o enredo mereceu demais.
Na realidade, o melhor date da minha vida foi um não-date, já que o amor é quase sempre inoportuno. Durante uma sessão de papo-furado no Tinder, comecei uma discussão com um match por causa de uma observação machista. A conversa foi se arrastando até beirar a baixaria, quando ele escreveu dizendo que "como jornalista, eu deveria ser paciente ao explicar assuntos que as pessoas ignoram" e respondi que "como jornalista, só tenho paciência de explicar o que for se estiver recebendo um salário para fazer isso".
Era uma manhã linda de domingo e eu não sei onde estava com a cabeça quando:
1- Comecei a gastar minha manhã linda de domingo numa discussão de Tinder;
2- Concordei com a proposta do cara: "Tá fazendo um baita sol, vou a uma piscina pública na cidade vizinha de moto. Posso passar para te buscar e continuamos a discussão? Não é um encontro, tenho interesse real nesse assunto".
Trocando em miúdos, aceitei fazer uma viagem de 50 quilômetros na garupa de um desconhecido que eu nem queria pegar por motivos de: terminar uma treta — um bronzeado eu queria pegar sim, que ninguém é de ferro.
O que aconteceu depois poderia restaurar sua fé na humanidade, a não ser pelo desfecho. O cara era interessante; não era traficante de órgãos e não me sequestrou; a viagem tinha lindas paisagens; pegar estrada de moto foi maravilhoso; nadamos; comemos churrasco; bebemos cerveja; jogamos baralho; chegamos a uma conclusão razoável sobre a nossa discussão.
Enfim, foi um não-date tão perfeito que evitei estragar tudo transformando-o em date real. Me despedi sem corresponder à tentativa de beijo para entender direito o que tinha acontecido entre começar uma briga às 10 da manhã e voltar para casa às 20h de carona com meu oponente, feliz da vida. Pena que, diante da recusa de romance imediato, ele perdeu o espírito esportivo a ponto de ir embora e me bloquear no aplicativo.
Sartre dizia que o inferno são os outros. Concordo e, parando para pensar, "os outros"somos nós, né?
Certeza que você já foi o date horrível de alguém.
No mais, sabedoria, mesmo, é isso aqui:
Sobre a autora
Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.
Sobre o blog
Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.