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Para que serve um curso universitário?

Luiza Sahd

11/08/2017 08h00

Com todo o respeito, claro.

Quando passei na USP, eu era secretária. Uns meses depois, fui pedir demissão e meu chefe —  também formado na USP e com filho estudando lá — disse o seguinte: "Você está fazendo a maior besteira do mundo saindo daqui para estudar em tempo integral. Em um semestre, estará cabulando aula pra fumar maconha e, ainda por cima, sem um tostão furado".

Achei um absurdo. Aí que eu pedi demissão mesmo. E, dito e feito, levou nem um semestre inteiro para ele ter razão, com um adendo: não necessariamente eu faltava às aulas para fumar maconha (mas não necessariamente eu ficava sem fumar).

Foi precisamente nos momentos extraclasse que entendi o que a gente aprende e não esquece depois que sai da universidade. Os detalhes da "Ilíada", do Parnasianismo, de Fonética e Fonologia eu esqueci na sequência de vomitá-los em folhas de papel. Por outro lado, graças a esses (duríssimos) quatro anos, guardei algumas coisas de cor.

COR, em Latim, quer dizer "coração". Assim, "saber de cor" é como saber sem precisar usar a cabeça; o conhecimento sai sem esforço.
Em inglês, existe a expressão TO KNOW BY HEART, exatamente com as mesmas palavras e o mesmo sentido.

Fonte: Origem da palavra 

Certas coisas, a gente não tira do coração nem com intervenção cirúrgica, caso existisse essa possibilidade. Nunca vou esquecer, por exemplo, do que foi morar no Crusp, o conjunto residencial da universidade.

Comecei a jornada sem sorte, porque só consegui vaga no apartamento de um cara absolutamente maluco que chamarei de *Pablo* (e não vou mencionar diagnóstico dele, porque meu diploma não serve para tanto). Um rápido teaser sobre Pablo: ele só andava pelado — sem nenhum tipo de apelo sexual –, só fazia cocô de porta aberta, pegava comida podre da rua e deixava na sala, fingia que estava morrendo para assustar os passantes, tateava aleatoriamente um piano digital durante a madrugada inteira e era capaz de passar tipo seis horas encostado na parede, movendo apenas os olhos para escrutinar o que acontecia em volta. Lembrando: isso é um teaser. Se eu fosse contar tudo sobre o Pablo, isso aqui viraria uma tetralogia.

Cumprindo a profecia do cretino do meu ex-chefe, eu não tinha dinheiro para comer fora do horário de bandejão. Por isso mesmo, precisava esconder minhas bolachas de água e sal do Pablo, que, além de doido, era um triturador de comida alheia.

Uma boa ideia de campanha anticonsumo de cannabis seria mostrar, em vídeos, o que acontece com uma pessoa que fuma, chega em casa morrendo de larica e descobre que o colega de apê comeu toda a comida que você tinha mocozado no guarda-roupa. Você reclama o que com quem é doido? Eu não reclamava. Sempre que acontecia, ficava sem dormir de fome e ia chorar na cama quente, aproveitando que, pelo menos o cobertor, Pablo não tinha roubado.

Teve muita tragicomédia, mas teve benesses também. Fiquei "famosa" na faculdade pela coragem de morar sozinha com essa fera. Eu tinha sono leve e uma prancha alisadora de cabelo embaixo do colchão porque VAI QUE precisasse me defender. E as pessoas se divertiam com isso. Virei a Luiza que mora com o Pablo. Teve um cara que ouviu "namora" em vez de "mora" e quase desmaiou.

Além de rir das minhas desventuras, muitos colegas se mostraram solidários em inúmeras ocasiões. Até hoje, de vez em quando, tento usar o poder da mente para enviar um beijo no plexo solar de cada pessoa que me convidou para almoçar, dos que ofereceram sofá quando a barra em casa pesava demais, dos que me obrigavam a dar uma volta, dos que me ajudaram a encontrar empregos para, Aleluia!, sair do Crusp. Se for verdade que existe Paraíso, esse pessoal já têm reserva lá. É só chegar e fazer check-in.

Administração de crise, de entorno insano e me comover por gratidão foram o legado da universidade para mim. Por sorte e por azar, cada estudante encontra seus próprios perrengues nos intervalos entre uma aula e outra. É claro que, durante o curso, aprendi a articular conhecimentos formais imprescindíveis para o exercício da minha profissão, mas, das coisas que me ensinaram naquela época — professores e alunos — o que melhor coloco em prática hoje em dia é, por ordem de importância:

– Não matar quem mereceria;
–  Jogar as faturas vencidas pro alto dançando pagode;
– Sorrir com resiliência quando esqueço a comida queimando no fogão porque, pelo menos, não tem um maluco aqui no corredor para disputar os nacos ainda comestíveis comigo.

Para todo o resto, consulto o Google (e checo se a fonte é confiável mesmo).

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Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.