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Você tem uma Laura do Carrossel camuflada no coração?

Luiza Sahd

20/07/2017 04h00

Mesmo a infância mais plena e feliz de um brasileiro médio nascido em meados dos anos 1980 foi marcada por essa menina. Sofredora. Romântica, muito romântica.

Para quem escapou de acompanhar a novela infantil exibida pelo SBT nos anos 1990 e reprisada nos 2012, a Laura era a aluna gordinha da escola que mandava cartas de amor para o menino mais bonito da classe e chorava quando faziam pouco caso dela.

Vejá lá se esse vídeo não te provoca inexplicáveis arrepios:

A parte mais reveladora é a resposta da amiga quando o professor pergunta o motivo do choro: "Laura foi enganada e ficou sem o namorado que ainda nem era namorado".

Rapaz, que treta cabulosa. Se enganar é o esporte favorito de 11 entre 10 seres humanos que conheci até hoje.

A Laura tinha essa obsessão por arrumar um peguete, mas poderia ser qualquer outra: fixação por ser a melhor aluna da classe ou a filha favorita dos pais ou ser popular ou virar atleta de salto com vara. A grande questão da Laura é buscar amor e aceitação em lugares onde essas coisas não estão disponíveis.

Em seu livro de estreia, "Ensaios do amor", o filósofo Alain de Botton dá aquele tapa na cara da sociedade:

"Quando observamos alguém que não corresponde nosso amor e imaginamos que estar com ela seria o paraíso na Terra, não levamos em conta um risco importante: a rapidez com que os atrativos desta pessoa poderiam desaparecer caso ela se apaixonasse por nós. A gente se apaixona por querer fugir de nós mesmos com alguém que seja tão belo, inteligente e engenhoso quanto somos feios, estúpidos e insossos."

Em outro de seus livros, "Como pensar mais sobre sexo", ele divaga sobre a eterna busca da nossa espécie por um entorno semelhante ao útero materno, em que a gente recebe comida, aceitação e acolhimento pleno sem precisar dar nada em troca. Acontece que, uma vez expelido da barriga da sua mãe, parceiro, não tem caminho de volta.

Vou te falar que sou bem Laura do Carrossel em diversos aspectos. Dentro do meu coração, encolhidinha entre outros entulhos, vive uma criança gordinha que sofre bullying e acha que nada vai dar certo nunca porque ela é feia, boba, chata e indesejável. Isso se estende a milhões de aspectos cotidianos para além dos enlaces amorosos.

O que você faz com a sua Laura do Carrossel interna? Eu converso com ela. Eu falo assim: "Laura, não é nada disso. Você tem valores e defeitos como todo mundo. Pode ser que você não vire campeã de salto com vara nunca, mas você faz uns desenhos tão bonitos… Você acha que ninguém no mundo vai gostar de desenhos?". Às vezes, ela me dá ouvidos e para de chorar; às vezes, faz mais autocomiseração ainda. Importante: falo com ela só dentro da minha cabeça, que é para ninguém em volta confirmar que tô doida.

É bonito também que a Laura sempre foi boa amiga e recebeu outros acolhimentos, o tempo todo, ao longo da novela. Os amores mais puros nem sempre incluem troca de fluidos corporais ou bens materiais. A Laura só precisava ter se ligado nisso. Mas ela era muito jovem, tudo bem.

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Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.