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Luiza Sahd

Por que o humor boomer é tão agressivo?

Luiza Sahd

31/12/2019 04h00

Piada ruim não deveria servir nem pavê nem pa cumê (iStock)

 

Descobri esses dias, compartilhando uma piada de tiozão na internet, que essa nomenclatura "piada de tiozão" é bem etarista e que, agora, as pessoas chamam as piadas do pavê de "humor boomer" –em referência às pessoas nascidas durante o baby boom pós-guerra que aconteceu entre os anos de 1946 e 1964. Dito isso, gostaria de apoiar a nova nomenclatura (já que etarismo é muito baixo astral mesmo) . Aproveito para dividir a tal piada boomer aqui:

 

Uma característica marcante do humor boomer é a simplicidade. Muitas vezes, as piadas são tão singelas e rasas que acabam ignorando toda a complexidade do entorno em nome de uma risada fácil. No caso do vídeo besta aqui acima, a gracinha com a sogra até resvala para uma ofensa desnecessária, mas não chega a ser tão violenta quanto a maioria das piadas que os tios do pavê podem contar publicamente sem um pingo de autocrítica ou constrangimento. Existem até perfis em redes sociais que satirizam a tosquice das piadas preconceituosas dos boomers:


Dia sim, dia não, passo nervoso calada ou acabo discutindo com boomers que seguem fazendo caricaturas cruéis apenas de certos tipos sociais, como mulheres, pobres, pessoas LGBT+ ou não brancas. Não é intrigante que o repertório de humor boomer exclua apenas homens brancos de meia idade das piadas?

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O recorte humorístico é um termômetro importante dos tempos em que vivemos porque, em geral, a sociedade ri daquilo ou daqueles que despreza.

Até pouco tempo atrás, as pessoas riam abertamente de quem não se assemelhasse o bastante com gente branca, rica, bem-sucedida e bem-comportada para os padrões cristãos. É por isso que, quando escuto que o mundo só piora, gosto de lembrar que a gente já não acha bonito tirar sarro de pessoas sem privilégios.
Apesar de ser uma pequena vitória em um universo de grandes derrotas diárias, passar a respeitar inclusive quem não tem nada em comum com, sei lá, o Roberto Justus, já parece um sinal de que estamos melhorando como sociedade, mesmo que a passos lentos.
O que explica a agressividade do humor boomer com minorias é provavelmente aquilo que eles cresceram almejando e no que acreditavam que poderia fazer do mundo um lugar melhor. A geração nascida entre 1946 e 1964 via na meritocracia, no consumo desenfreado e na submissão de outras pessoas que pudessem servi-las as metas de vida a se perseguir. Isso não significa que boomers sejam monstros por natureza; o fato é que eles herdaram uma cultura que dividiu as pessoas entre vencedores e perdedores, desumanizando estes últimos.
Se é perda de tempo ou uma tentativa válida discutir a piada boomer agressiva com seus autores, vai do gosto (e da paciência) do freguês. De qualquer forma, o mundo já mudou: as gerações que chegaram depois têm outro tipo de humor, outros sonhos, outros códigos éticos e outros muitos jeitos de errar também –como todas terão. Na história do mundo, é sempre cedo para cantar vitória e acreditar que somos superiores às sociedades que vieram antes, mas já está permitido comemorar o fato de que os millennials não veem tanta graça em pisar na garganta de quem é tido como perdedor no imaginário boomer.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.