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Luiza Sahd

Maquiagem: a moda agora é se acostumar com a própria cara

Luiza Sahd

02/10/2019 04h00

Não ficar paranóica com o que pensam de nós, felizmente, também está na moda. (Ilustração: Reprodução/ Agathe Sorlet)

Talvez influenciada pela Xuxa, pela Barbie ou pelas Chacretes, sonhei desde a primeira infância com o dia em que não tomaria esculacho por afanar maquiagens da minha mãe ou da minha avó sorrateiramente para pintar a cara com cores, digamos, intensas. Era um clássico das meninas da minha idade e não escapei desse clichê.

Aos 15 anos de idade, meu momento chegou: não só fui autorizada como também passei a ser obrigada pelos meus chefes a me maquiar diariamente. Trabalhava como vendedora em uma loja de roupas de um shopping e, por ali, nenhuma mulher poderia atender sem usar salto alto, roupas da marca compradas com nosso salário — e um modesto desconto — além de umas quantas camadas de base, blush, sombra e rímel na cara. O batom poderia ser gloss. Os anos 2000 realmente não deixaram saudades.

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De lá para cá, quase 20 anos se passaram e, até o último ano por aqui, nada mudou. Me acostumei de tal forma com o uso de maquiagem para esconder o que considerava imperfeições do meu rosto que, cotidianamente, evitava me olhar no espelho antes de passar pelo menos um delineador para aumentar os olhos ou um batom para parecer "saudável"; o dia em que descobri como desenhar minhas sobrancelhas sem ficar parecendo um tributo vivo a Monteiro Lobato foi um dos mais felizes de que tenho recordação (tenho sobrancelhas ralas e me contaram que nossa expressão facial ganha força com sobrancelhas fortes e sem exagero).

Não sei exatamente quando foi que passei a me sentir mal por… me sentir mal quando não estou maquiada. Atravessei uma vida inteira atormentada pela aversão à minha própria cara lavada, mas comecei a achar o excesso de maquiagem cafona só quando a moda apelou para a tal da maquiagem nude — aquela que ressalta nossas qualidades ao invés de disfarçar supostas imperfeições. Minha mente quase explodiu quando entrei em contato com a ideia de me vestir, me maquiar ou me arrumar de modo geral pensando em reforçar o que gosto em mim no lugar de lutar (em vão) para esconder o que me desagrada. O resultado foi um alívio indescritível.

Se acostumar com uma cara lavada pode não ser fácil para mulheres com questões de autoestima como as que acompanharam meu desenvolvimento — fui a criança gordinha que sempre sofreu bullying até (ou principalmente) de familiares –, mas como é bom reconhecer e gostar do próprio rosto mesmo que pareça tarde, depois dos trinta, quando as rugas de expressão começam a se apresentar.

Tenho certeza que não fui a primeira e infelizmente não serei a última mulher a distorcer a própria imagem a tal ponto de odiar o próprio rosto quando ele não está camuflado por inúmeros produtos de beleza. O próprio nome "produtos de beleza", hoje em dia, me parece cruel. Beleza é algo que podemos encontrar em muitas coisas e pessoas mas, definitivamente, não deveria estar condicionada ao disfarce daquilo o que somos sem retoques.

As páginas que falam sobre beleza natural e cuidados com a pele são grandes hits da internet no momento. É maravilhoso, por um lado, pensar que elas garfaram uma fatia do público que antes consumia tutoriais de contouring visage à la família Kardashian. E tem gente até criticando essa vibe de "ter pele boa é o novo ser magra". O que é uma pele boa? Existe pele ruim? Algo nessa discussão me lembra aquele papo já gasto de "cabelo ruim". Não existe cabelo ruim, mas existe muita cabeça ruim que ainda raciocina dessa forma, infelizmente.

Ter bom senso e gratidão pelos nossos corpos é que deveria ser o novo "ser magra". De alguma maneira misteriosa — e apesar das inúmeras mazelas modernas — se sentir bem na própria pele está virando moda. Quem sabe assim a gente passa a viver com um pouco menos de pavor de mostrar o que realmente somos.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.