Topo

Luiza Sahd

10 costumes do Brasil que parecem bem estranhos quando moramos no exterior

Luiza Sahd

02/04/2019 04h00

 

Às vezes a gente se pergunta se só migrou ou foi abduzido por extraterrestres (Foto: iStock)

Deixar o Brasil quando você já é adulto e cheio de manias acaba sendo um exercício muito grande de flexibilidade e peito aberto para choques culturais assustadores.

Jamais vou esquecer da ocasião em que descobri que os apartamentos de Madrid não tinham ralo — e que eu estava condenada automaticamente a limpar o piso usando esfregão para sempre, abrindo mão da alegria de jogar um balde de água no chão (e esfregar com vassoura piaçava até ele assobiar de tão limpo).

Quando o imigrante tonto faz as malas para voltar ao Brasil, ele pensa "agora não vou estranhar nada, finalmente". Errou de novo: é muito difícil não estranhar essas coisas aqui.

Sorrir e receber sorrisos de estranhos

A gente não se dá conta quando está em casa, mas, no Brasil, sorrir é bem mais comum do que dizer "bom dia". Temos a rara capacidade de sorrir em toda e qualquer interação social — se for com estranhos, também não tem caô: arreganhamos os dentes sem pensar muito a respeito. No exterior, é comum descobrir que sorrir para estranhos está mais relacionado com paquera ou deboche. O esforço de chegar em uma farmácia sem sorrir para os balconistas ainda é constante para mim depois de tantos anos fora. Segurar o maxilar é uma das missões mais ingratas do brasileiro que queira se poupar de mal-entendidos com gringos.

Contato físico

É fácil concluir que um povo que não é dado abrir sorrisos diante de estranhos não converse tocando as pessoas com a mesma intensidade que a gente. Até o abraço dos estrangeiros costuma ser mais frouxo. Na volta ao Brasil, pode ser que você se sinta meio perdido ou emocionado quando um amigo ou parente interagir com você pegando no seu braço ou te apertando de saudades.

Veja também

Assédio

A sensação de intimidade costuma fazer falta para os imigrantes. Já o excesso dela não deixa saudades. Sair na rua e levar uma manjada de bunda inesperada é sempre um choque para a pessoa que volta do hemisfério norte. No caso das mulheres, as cantadas ofensivas incessantes provam que temos muita civilidade a construir por aqui.              

Falar de trabalho na balada

Quantos minutos um paulistano demora para perguntar "o que você faz?" quando é apresentado a alguém? Eu chutaria dois (porque sou paulistana até no que é vexaminoso). Na Espanha, as pessoas não atrelam tanto o trabalho à qualidade de vida ou status. De uma maneira pragmática, eles acham que status é ganhar bem trabalhando o menos possível, não importando muito qual seja a atividade que os caras executem. Perguntar a profissão de um desconhecido ou contar sobre sua semana no escritório é cafona demais por lá.

Gaiola de prédio

Outro clássico paulistano é ter que abrir um primeiro portão para chegar ao verdadeiro portão de um prédio, quando ficamos enclausurados em uma gaiola com câmeras de segurança. A gente entende que a medida visa proteger condôminos em uma cidade recordista de violência, mas nem por isso a situação é menos Black Mirror. Na última vez em que fui comer um bolinho com a minha avó, precisei apresentar o RG na gaiola. Nem nos nossos piores pesadelos de infância seria imaginável ter que apresentar documentos para visitar a casa de nossas avós, confesse.

Papel higiênico no lixo

Quando me perguntam qual é a coisa mais gostosa da Espanha, respondo mentalmente que é não limpar o lixo do banheiro mas verbalizo qualquer outra bobagem tipo sei lá, "aprender a cultura". Jogar papel higiênico na privada e se despedir definitivamente do cocô que você acabou de fazer é acalentador demais, meu irmãozinho.

Andar na rua = paranoia

A mulher que já teve a oportunidade de caminhar sozinha de madrugada em uma cidade segura não quer guerra com ninguém. Voltar para casa com o celular na mão e muita cachaça na cabeça sem medo de sofrer violações é o verdadeiro rolê inesquecível. Parece a versão realista da sensação de liberdade propagada pelos anúncios de toscos de absorventes (vai pensando que sonho de mulher é usar roupa branca e andar de bike menstruada, vai). No Brasil, meu sonho é sair na rua sem paranoias com a roupa escolhida, a hora de voltar, o trajeto escuro ou o estranho que passa por mim.

Parcelar compras

Tente lembrar quantas vezes você comprou algo que não deveria ou não poderia ter porque estava duro — mas que acabou tendo porque sua compra foi parcelada em 10 vezes no cartão. Para bem e para mal, essa não é uma realidade na Europa. As compras com cartão são todas pagas à vista. A análise de crediário em lojas que parcelam o pagamento de seus produtos no boleto mais parece seleção para colaboradores da NASA: por critérios variados, todos os meus amigos são sempre reprovados. Nunca nem tentei.

Ser pedestre numa "carrocracia"

Namore alguém que te admire e respeite tanto quanto o brasileiro respeita carros. Não importa que tipo de pedestre você seja: idoso, pessoa com deficiência, pedestre tomando uma enxurrada na cabeça em dia de tempestade, não importa mesmo. A faixa de pedestre que não conta com semáforo é um item meramente decorativo nas vias públicas das metrópoles do Brasil. E não adianta reclamar porque o motorista médio vai responder a essa crítica dizendo que "é perigoso reduzir a velocidade para dar passagem a pedestres". Reduzir a velocidade gradualmente e em distância segura: ninguém cogita.

Comida salgada

Deus me livre de reclamar da gastronomia brasileira. Pra começo de conversa, a vida em lugares que não produzem farofa já é triste demais por si só. De todas as maneiras e apesar da alegria que só experimenta quem encontra mandioca, dendê e água de coco no supermercado, é intrigante que ainda estejamos vivos e tão sorridentes apesar da comida salgada que consumimos no Brasil. Tente lembrar de um país que goste tanto de lascar sal nos alimentos e falhe miseravelmente.

Nunca tive esperança de que o Brasil se parecesse com qualquer outro país, mas esse negócio aí do sal era bom a gente rever mesmo.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.