Projeto político do Brasil poderia chamar ‘política do espírito de porco’
Não existe ser humano que não tenha sido possuído pelo espírito de porco alguma vez na vida. Um dia, quando eu estava no último ano da escola, um professor pouco querido pelos alunos tentava, sem sucesso, começar a aula dele — mas a sala não parava de falar. Ensinar física na volta do recreio para adolescentes não devia ser uma missão fácil. Lembro que eu estava com muito sono na ocasião e abaixei a cabeça, cogitando tirar uma soneca enquanto o circo pegava fogo. Acordei com o grito "Luiza, fora!".
Eu não era santa. Era muito tagarela. Mas não era possível que o professor quisesse me expulsar justamente no dia em que estava de boca fechada. Ele deve ter se confundido pelo hábito de me mandar ficar quieta e trocado o nome de alguém que estava falando pelo meu, sei lá. Chequei a informação: "eeeeeu? Mas estou quieta hoje!". O professor confirmou a ordem para que eu me retirasse e fui possuída imediatamente pelo famigerado espírito de porco.
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Desisti de argumentar e decidi atrapalhar todo mundo, me recusando a abandonar a classe. Os 50 minutos de aula evaporaram em uma discussão sem final feliz para ninguém: dois bedéis me pedindo para sair, eu dizendo que teriam que me tirar à força, todo mundo perdendo tempo, matéria e energia vital. Não consegui nada com isso além de uma antipatia extra do professor, que já não tinha a simpatia como ponto forte e passou a corrigir minhas provas e trabalhos com uma má vontade peculiar. O espírito de porco nunca é produtivo.
Nas últimas eleições, revisitei muitas memórias pessoais de possessão pelo espírito de porco. Como bem definiu o sociólogo norte-americano Richard Sennett em uma entrevista para o El País, estamos vivendo a era da política de ofensa. Em outras palavras, é a política do espírito de porco: a expressão de descontentamento contra tudo o que temos se tornou mais relevante do que a sugestão de alternativas melhores.
Bom retrato disso é a postura do ministro da Educação Ricardo Veléz. Após três meses na liderança da pasta, ele compareceu à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados assumindo que não tinha dados estratégicos sobre a educação no país, mas seus secretários, sim. Na mesma semana em que citou Pablo Escobar como referência para manter os jovens longe das drogas, Veléz foi exposto pela deputada federal Tábata Amaral (PDT-SP) por não apresentar nenhum projeto, orçamento ou plano de implementação de melhorias para a área.
O comentário da deputada é um resumo brilhante da política do espírito de porco: os brasileiros foram às urnas com muita raiva e pouca ideia de como transformar descontentamentos completamente justificados em mudanças factíveis.
É incrível que tenhamos elegido um presidente que sequer apresentou seus projetos em debates. A prova do descomprometimento veio quando Bolsonaro ironizou publicamente uma proposta que constava em seu plano de governo. O então candidato não escreveu (aparentemente, sequer leu) as estratégias que viria a implementar. Ele não se importou com a substituição de políticas públicas ineficientes por medidas eficientes. Ele não pensou nessa parte — e seus eleitores também não.
Desistimos de debater para fazer o gesto da arminha e mandar uma banana para "tudo isso o que está aí". Só esquecemos que precisamos de ideias para colocar no lugar de "tudo isso o que está aí". Não temos.
Depois de matar todos os bandidos, qual é o plano? Provavelmente, o eleitor de Jair Bolsonaro não vai saber. Principalmente porque apostou na política do espírito de porco e já não se interessa pela construção de nada.
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