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Luiza Sahd

Seios de Maria Casadevall: por que ainda discutimos topless em 2019?

Luiza Sahd

26/02/2019 04h00

 

Greg Salibian/Folhapress

Quando Maria Casadevall decidiu mostrar os seios no último domingo (24), durante o desfile do bloco carnavalesco Acadêmicos do Baixo Augusta, o objetivo era questionar a objetificação do corpo feminino e, com a mensagem "Ele Não" pintada no corpo, se posicionar contra o governo de Jair Bolsonaro.

A repercussão do topless teve resultados previsíveis: simpatizantes do presidente eleito se sentiram ofendidos, muita gente disse que o objetivo real da atriz era ganhar atenção midiática e outro tanto de pessoas ainda encarnou o sommelier de tetas para dizer que os seios de Casadevall são caídos ou assimétricos. Destas últimas, confesso que dei boas risadas (apesar de não achar graça nenhuma no linchamento público da atriz). Mas é preciso muito desconhecimento sobre seios femininos para dizer que os desta mulher têm algum defeito. Ou que existe um certo e errado no que tange uma parte do corpo de alguém, francamente.

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Quanto às reações virulentas contra a atriz, infelizmente, não há nada de novo sob o sol — já que o internauta médio não pode ver uma oportunidade de ser agressivo sem querer abraçar. É evidente que Casadevall sabe disso e que seu protesto tinha mesmo o propósito de chamar a atenção das pessoas para as pautas sobre igualdade de gênero (muito mal vistas na atual gestão da República, diga-se).

Quem ficou ofendido com o topless não está fazendo muito mais do que comprovar a teoria de Casadevall: é incrível que estejamos discutindo isso em 2019, mas aqui estamos porque as pessoas ainda ficam muito revoltadas quando veem um corpo feminino que não está à mostra para o entretenimento sexual. Prova disso é que o brasileiro não lida mal com o topless, na verdade. Ele aparece o tempo inteiro na televisão durante o Carnaval, mas como o espectador entende aquilo como conteúdo erótico, fica tudo certo.

O que irrita as pessoas é sempre a nudez que não é feita para ser sexualmente explorada, como a de Casadevall. O topless ainda não é liberado nas praias brasileiras  — como acontece na Europa — porque existe uma dificuldade imensa, no Brasil, de entender o significado amplo que um par de seios pode ter.

Topless é um dos gestos de rebeldia mais batidos do mundo. Não há novidade nenhuma nele e, no entanto, espero o ano inteiro pelo verão em Madrid, onde moro, para fazer e presenciar topless. É muito bom estar em um lugar onde não é mandatório olhar para as tetas das mulheres, colocar uma camada de erotismo nelas e culpar as donas das tetas por isso.

Tem sido muito saudável para a minha cabeça chegar em uma praia, em uma piscina e ver mulheres de todas as idades (especialmente as maiores de 70 anos) exibindo orgulhosamente o corpo todo, esse meio de transporte que nos cabe no mundo. Elas não estão "mostrando as tetas" porque não são peças de carne com cortes segmentados. São corpos com alma — e nem sempre no pique de seduzir. Os corpos apenas estão lá: inteiros, saudáveis, armazenando vitamina D.

Uma vez, um garotinho latino que estava só com o pai nadou até o meu lado em uma piscina pública e perguntou por que eu estava sem a parte de cima do biquíni. Respondi que a parte de cima me apertava e perguntei se ele usaria uma. Ele não só se satisfez com a resposta como apoiou minha decisão, porque as verdades são realmente mais simples para uma criança. A gente vai emburrecendo ao longo da vida e colocando significados estapafúrdios em gestos inocentes. Deve ser por tédio.

Por aqui, continuo me perguntando que estupidez é essa que fazem com o significado do nosso corpo no Brasil e em tantos outros lugares. Se um topless te gera incômodo (ao ver ou ao fazer), é importante se perguntar quando e por que isso aconteceu.

Que bom que Maria Casadevall e um exército de mulheres anônimas estão aproveitando o Carnaval, quando seios à mostra são mais tolerados, para fazer essa reivindicação nas ruas. Topless deveria ser uma discussão superada há muito tempo.

 

 

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.