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Luiza Sahd

Desculpa, Marie Kondo: usei seu método de organização em relacionamentos

Luiza Sahd

12/01/2019 04h00

Imagina a Marie recebendo essa notícia. (Foto: reprodução/Twitter)

Se você ainda não escutou nada a respeito de Marie Kondo, pode esperar. Algum dia alguém vai chegar insinuando que você é bagunceiro, que a Kondo transforma vidas ou algum relato que o valha. Tenha em mente que esta pessoa não está mentindo. 

Ninguém que não opere algo muito revolucionário na vida do público vende sete milhões de livros, em 40 idiomas, com essa crise dos infernos no setor editorial. Deve ser por isso, também, que a especialista em organização ganhou um seriado na Netflix — e que agora estamos todos olhando para objetos aleatórios em casa, repetindo mentalmente a pergunta "isso me traz felicidade?" ou "preciso mesmo disso?".

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O método KonMari tem um temperinho que quase todos os seres humanos amam: a ilusão do controle. No seriado, rodado na Califórnia (EUA), Marie chega na casa das pessoas e mostra que é mais fácil tomar as rédeas da casa se você conhecer tudo o que tem lá dentro e onde está cada coisa. Acontece que cabeça vazia é oficina do capeta e andei gastando um tempo aí analisando a técnica de organização para tentar arrumar outros setores da vida à parte da ordem recomendada pela autora: vestimentas, papeladas, utensílios aleatórios e objetos de valor sentimental.

Estava num bar essa semana e me peguei olhando para o rapaz que puxava assunto enquanto me perguntava "isso me traz felicidade? Preciso mesmo disso?". Duvidei de minha própria lucidez, claro. Em seguida, ponderei que foi melhor assim: seria muito mais chato se eu estivesse com um pênis na mão me perguntando "isso me traz felicidade? Preciso mesmo disso?". O bom do método KonMari aplicado a pessoas é que a gente se torna minimalista inclusive com a energia gasta em enlaces que, sinceramente, não fariam falta no momento.

A melhor piada a esse respeito até agora parece ter sido esta:

Outro fator interessante do método que pode ser pensado de maneira análoga em situações de relacionamentos transpessoais é aquele lance de deixar tudo o que você pretende guardar mais visível. Quantas pessoas que se relacionam contigo você gostaria de ter constantemente em local visível? Desculpe se a pergunta pareceu perturbadora. Para mim, foi.

Quando cheguei a essa linha de raciocínio pensei "que coisa horrível, pessoas não são objetos" e "às vezes não gostaria de tê-las visíveis, mas elas podem precisar de ajuda". Cogitei ligar para a psicóloga reclamando que nem eu tô escapando mais da lógica mercantil que permeia as relações humanas — e olha que me esforço bastante.

Não achei absurdo escrever sobre esse breve momento de delírio porque o método KonMari, na verdade, parece meio baseado em endoidar as pessoas mesmo. Quem consegue empilhar todas as roupas e sapatos em uma cama para abraçar e guardar peças que trazem felicidade (agradecendo às que vão embora antes de se desfazer) sem ficar meio atordoado depois?

Antes que alguém tenha a mesma ideia de aplicação da Marie Kondo em outros setores da vida, fica minha resenha: o método não presta para as relações humanas porque elas guardam mistérios muito maiores do que o jeans que não te serve há três anos — mas você insiste em não doar. Espero que surja logo uma guru de organização emocional que nos convença tanto. Enquanto isso, vou botando os utensílios da cozinha em caixas pequenas para aplacar a frustração por tudo aquilo que não posso manter sob controle.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.