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Luiza Sahd

Após venda de ingressos, Spice Girls prometem turnê sem bandeira feminista

Luiza Sahd

13/11/2018 05h00

 

Essa é a foto de divulgação da turnê 2019 das Spice Girls — mas você pode trocar por Traíra Girls se preferir

Ao que tudo indica, a volta das Spice Girls em 2018 tem mais a ver com o show da Falsa Dupla Patati Patatá na Bahia do que com as atividades das artistas na década de 1990 — quando arrebataram meninas do mundo inteiro para soltar a cinturinha ao som de bonitas palavras de empoderamento.

O anúncio da turnê para junho de 2019 já começou com o previsível balde de água fria que se confirmou com a ausência de Victoria Beckham no projeto. Até aí, nada de novo sob o sol: não faltou quem descesse a lenha na Posh Spice porque ela estaria sendo esnobe com as meninas — como o próprio apelido da época já sinalizava que poderia acontecer.

O que ninguém esperava era a reviravolta que faria com que Victoria saísse dessa história sendo mais solidária com a mulherada do que Emma, Mel B, Mel C e Geri unidas.

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Enquanto a Spice dissidente desejou sorte às colegas e usou um trecho de "Wannabe" para louvar o empoderamento feminino em seu discurso no People's Choice Awards 2018, as outras quatro gastaram um tempo na mídia tentando descolar a imagem das Spice de qualquer militância nesse sentido — mas só depois que os ingressos para o retorno da banda foram todos vendidos.

Sabe-se lá como as coisas funcionam no Reino Unido mas, na nossa terra, o nome disso é golpe.

Durante esta entrevista ao "The Sun", publicada no último domingo (11), as mesmas mulheres que colocaram a pulguinha da equidade de gênero atrás da orelha de toda uma geração acabaram dando show de equívoco quando o rumo da conversa foi o bordão do grupo: o "Girl Power".

Segundo as artistas, esse lance de poder para as mulheres já foi superado e a boa, agora, é o poder para as pessoas ("People Power"). "Nossa ideia é reunir gente de modo geral, não importando o gênero de ninguém. No mundo das Spice sempre há espaço para todos", completou Emma Bunton — meio tensa depois de uma saraivada de perguntas sobre política que, aliás, todas fizeram questão de ignorar.

Nos últimos minutos do vídeo, as Spice ainda se atrapalharam tentando explicar por que estavam vendendo camisetas com o objetivo de angariar fundos para uma causa… feminista. Ser famoso deve ser muito legal em diversos momentos, mas que desastre deve ser esse momento em que falta uma boa assessoria para avisar quando o artista está queimando o buço em escala mundial — como é o caso desta turnê em que as músicas não dizem nada do que as intérpretes pensam hoje em dia.

Ao que tudo indica, as meninas andaram sumidas porque estavam morando neste planeta aqui:

O novo Spice World, onde mulheres não são mais exploradas, mutiladas, vendidas como mercadoria ou castigadas por menstruar, entre outras barbaridades que infelizmente ainda acontecem no nosso precário plano espiritual.

Para além da pergunta que não quer calar (como essas gurias vão cantar 1h30 de letras sobre Girl Power sem propósitos feministas?), fica o aprendizado sobre ter ídolos na era da internet. A alternativa mais saudável é, definitivamente, não ter ídolos. Caso contrário, a gente sempre acaba descobrindo o que eles pensam nos bastidores — e gerenciar esse luto dá o maior trabalho.

Não sabendo que era impossível causar mais desgosto para o público do que os caras  de Hollywood durante o #MeToo, as quatro minas que se tornaram célebres por gritar pela liberdade feminina foram lá e fizeram.

"Mas elas podem mudar de opinião ao longo dos anos", dirão os comentaristas apressados. Podem sim, quantas vezes quiserem. Mas se quiserem ser honestas, precisam avisar o público sobre o esvaziamento de sentido das músicas antes de embolsar o lucro dos mais de 600.000 ingressos vendidos na empreitada.

Não é que os fãs das Spice Girls tenham se enganado como o público que foi atrás do Roger Waters sem desconfiar que "The Wall" é uma narrativa progressista; a pessoa que cresceu admirando estas cantoras sabia exatamente o que estava procurando.

Se quem vai a um show já deveria saber do que falam as músicas, imagine quem está cantando. É o mínimo esperado dos artistas — mas nem isso a volta das Spice Girls deve entregar para os fãs.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.