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Luiza Sahd

Namoro sem consentimento: você provavelmente já viveu um

Luiza Sahd

08/11/2018 04h00

Pior é quando a flecha pega bem nas suas costas e não atravessa o colega (Foto: Reprodução/ Alba Blázquez)

Nem todo mundo se dá conta ou se preocupa com essas coisas, mas as chances de que uma pessoa nunca tenha estado em um namoro não consentido são quase nulas.

Também não me preocupei ou me dei conta disso até que uma amiga perguntasse quantas vezes estive em relacionamentos sérios.

– Sérios tipo… namoro?
– É, namoro.

Tempo na tela.

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Não tendo boa memória nem essa resposta na ponta da língua, fui fazer um chá e umas contas. Antes que a água pudesse ferver, meu cérebro já tinha fritado. Percebi que não poderia contabilizar certos relacionamentos como namoro porque o outro envolvido não sabia que a gente estava namorando. Mas eu estava. Às vezes, por anos. E o outro, solteiro.

Resultado: sigo chateada por não poder responder à pergunta da amiga. Quando a gente tem uma relação significativa mas não pede licença pra se apaixonar pela outra pessoa, é namoro também? Aliás, pedir licença pra se apaixonar parece burocrático ou uma hipótese absurda?

Então dê uma olhada na fórmula do namoro-surpresa antes de decidir seu lado nessa história:

– Você gosta muito de uma pessoa mas não tem certeza da reciprocidade;
– Ao invés de dar bandeira de paixonite, o bom senso — e o grupo de pagode "Revelação" — manda a gente deixar acontecer na-tu-ral-men-te;
– Sugerir relacionamento pode ser um risco de perder automaticamente o interesse do outro;
– Você fica bem quieto administrando o que tem pra hoje (por muitos hojes);
– Uma hora, inevitavelmente, essa casa cai;
– Parabéns. Tal qual faria um personagem da novela "Carrossel" versão anos 1990, você namorou sozinho.

O que é mais fascinante no namoro sem consentimento é que mesmo quem nunca aprontou essa presepada consigo mesmo pode já ter sido namorado de alguém mais chegado em se sabotar.

A falta de habilidade com o afeto é a pauta artística mais antiga do mundo e, ainda assim, nossa escolha mais comum tem sido despraticar o afeto como se fosse um anti-esporte olímpico. Não conseguir contabilizar namoros sérios é só uma piada besta para puxar assunto sobre o problema de todos os nossos relacionamentos — especialmente quando o ódio está tão na moda.

Se a gente não pode falar que gosta de uma pessoa, o que será que se pode contar a ela sem provocar susto?

Deve ser por isso que recebemos com muito mais tranquilidade o bombardeio de informações sobre como estamos inadequados em tudo (até no que fazemos bem) porque não somos os melhores.

Não sentir afeto nunca fez ninguém se sentir melhor do que os outros. Prova disso é o comportamento do cidadão médio no ano da graça de 2018: raivoso, indisposto, desorientado e muito mais preocupado em parecer forte do que com a força de elos humanos naturais.

Provavelmente, o Zé da Faculdade (nome fictício) jamais saberá que namoramos por uns cinco anos. Com certeza, esse foi o meu último namoro sem consentimento. Se organizar direitinho, todo mundo consegue disseminar o pânico avisando às pessoas que elas estão sendo amadas. Quem sabe assim elas larguem as armas no chão, bem calmamente, pra tentar uma conversa.

Sobre a autora

Luiza Sahd é jornalista e escritora. Colaborou nas revistas Tpm, Superinteressante, Marie Claire e Playboy falando sobre comportamento, ciência, viagem, amor e sexo. Vive entre São Paulo e Madrid há anos, sem muita certeza sobre onde mora. Em linhas gerais, mora na internet desde 2008.

Sobre o blog

Um lugar na internet para falar das coisas difíceis da vida -- política, afeto, gênero, sociedade e humor -- da maneira mais fácil possível. Acredita de verdade que se expressar de modo simples é muito sofisticado.